quinta-feira, 2 de maio de 2013

Artigos de Opinião | Grover Furr - Stalin e a Luta pela Reforma Democrática (II)



Durante a guerra

1. Quando estava a terminar a Segunda Guerra Mundial, Stalin e os seus seguidores no Politburo tentaram de novo afastar o Partido Bolchevique do controlo directo do governo soviético. Yuri Zhukov descreve o que aconteceu:
    "Em Janeiro de 1944...pela primeira vez durante a guerra, foi convocado conjuntamente o Comité Central e uma sessão do Soviete Supremo da URSS. Molotov e Malenkov prepararam um rascunho de um decreto do Comité Central em que se afastava legalmente o Partido do poder. O Partido manteria as suas funções de agitação e propaganda, assim como a selecção de quadros; ninguém poderia afastá-lo destas tarefas próprias de partido. O esboço impedia o Partido de intervir nas questões económicas e no funcionamento dos órgãos do Estado. Stalin leu o rascunho, trocou seis palavras, e escreveu: "De acordo". O que aconteceu depois continua a ser um mistério...

    Esta era uma nova tentativa de reduzir o papel do Partido no Estado, retendo apenas as funções que teve, de facto, durante a guerra. O esboço tinha cinco assinaturas: Molotov, Malenkov, Stalin, Khrushchev e Andreev. Não existe nenhum registo taquigráfico, pelo que só podemos especular sobre o sentido do voto dos restantes participantes na reunião. Nem sequer o influente Comité Estatal de Defesa, com quatro membros no Politburo, desejou mudar o estado das coisas. Isto mostra, mais uma vez, que Stalin nunca teve o poder que lhe é reconhecido tanto por anti-stalinistas, como por stalinistas.” (Zhukov, Kul'tovaia)

    2. Desconhecemos como se pensava distanciar o Partido das questões económicas e do estado. Provavelmente, previa-se um outro método para dotar os órgãos do estado de pessoal. Significaria isto um regresso às eleições previstas na Constituição de 1936?

    3. Independentemente das respostas a estas perguntas, parece claro que o Comité Central, dominado pelos Primeiros Secretários do Partido, rejeitou novamente os projectos do grupo de Stalin para mudar o sistema soviético. No seu relatório Secreto, Khruschev nega que tenha ocorrida essa reunião! Já que a maior parte dos membros do Comité Central presentes na leitura do relatório sabiam que isto era falso, pode ser que o objectivo desta mentira fosse deixar claro que esse perigoso movimento contra o seu poder estava formalmente enterrado.

Depois da Guerra

    4. Vimos que Stalin se preocupava com um importante problema, tanto para a URSS como para o Partido Bolchevique, a situação de "duplo poder". O Partido, no governo, era quem realmente dirigia a sociedade. Cada vez mais, os funcionários deixavam as tarefas de incentivar a produção para se ocuparem do poder através da supervisão.

    5. Afastando o Partido do controle directo de estado atingiriam-se vários obcjetivos:

    - Seria finalmente institucionalizada a Constituição de 1936, reforçando os laços entre a população e o estado soviético.

    - Seria devolvida a direcção dos órgãos estatais àqueles realmente qualificados.

    - Impedia-se que os níveis superiores do Partido se convertessem numa casta de parasitas e corruptos.

    6. O Politburo reunia-se, antes da guerra, pelo menos duas vezes por semana. Em Maio de 1941, Stalin converte-se na primeira figura oficial do Estado soviético, deixando a Molotov o posto de Secretário do Conselho de Comissários do Povo (Sovnarkom), órgão executivo oficial do governo da URSS.

    7. Mas, durante a guerra, a URSS não foi dirigida nem por este órgão nem pelo Partido, e sim pelo Comité Estatal de Defesa, composto por Stalin e três dos seus colaboradores mais próximos. Durante a guerra, o Comité Central convocou uma só reunião, enquanto as reuniões do Politburo, não só durante a guerra, mas também no final da mesma, eram muito raras. Segundo Pyzhikov, "o Politburo, na prática, não exercia o poder". O dissidente soviético Zhores Medvedev afirma que o Politburo se reuniu apenas 6 vezes em 1950, 5 em 1951 e 4 em 1952. Pode-se dizer que Stalin distanciou o Politburo do controlo do Estado (Pyzhikov, 100; Medvedev, Sekretnyi).

    8. Parece, também, que Stalin descuidou o seu papel como primeira figura do Partido. As reuniões do Comité Central foram acontecendo cada vez mais distanciadas no tempo. Em 13 anos, de 1939 até 1952, não se convocou nenhum Congresso do Partido. Após a guerra, Stalin assinou decisões conjuntas do Partido e do governo simplesmente como Secretário do Conselho de Ministros (o famoso Conselho de Comissários Populares), delegando a um dos outros secretários do Partido, Zhdanov ou Malenkov, que assinassem em nome do Partido (Pyzhikov 100).

    9. A autoridade do Partido continuava a ser grande. Ainda que, talvez, isto se verificasse apenas porque Stalin ainda era o Secretário Geral do Partido e o único líder do grupo de aliados que permanecia no activo depois da guerra. Roosevelt morrera e Churchill perdera as eleições de 1945. Não exageramos se afirmamos que, entre os trabalhadores, Stalin era a pessoa mais conhecida e respeitada do mundo. O movimento comunista que ele encabeçava era a esperança de centenas de milhões de pessoas. A sua figura ainda se tornou mais famosa como consequência da vitória sobre o fascismo. O grande prestígio de Stalin como chefe de estado, concedia autoridade ao conjunto da direcção do Partido (Mukhin, Ubiystvo 622; Ch. 13).

    10. As acções de Stalin sugerem que ele ainda tentava desalojar o Partido do controlo directo do estado. Porém, se assim aconteceu, deve tê-lo feito com muitas precauções. Podemos deduzir as razões desta atitude cuidadosa:

    - A exposição de uma infundada falta de confiança no Partido significaria um péssimo exemplo para outros países do mundo, onde os Partidos Comunistas ainda não estavam no poder.

    - Tinha contra si o Comité Central e a nomenclatura do partido, como já acontecera antes da guerra.

    Eis as razões que explicariam a sua cautela, evitando possíveis choques.

O Projeto de Programa de Partido de 1947

    11. É provável que os projectos de democratização do grupo de Stalin fossem mais que aqueles que conhecemos hoje. Aleksander Pyzhikov, historiador anti-comunista e anti-estalinista, citou interessantes partes de um esboço de programa do Partido datado de 1947, no qual se impulsionava a democracia e o igualitarismo na URSS. Este fascinante e totalmente desconhecido projecto nunca foi, evidentemente, publicado e não está à disposição de outros investigadores.

    12. As citações de Pyzhikov são as seguintes:

    "O desenvolvimento da democracia socialista como base da construção de uma sociedade socialista sem classes converterá, cada vez mais, a ditadura do proletariado na ditadura do povo soviético. A participação cada vez maior dos indivíduos na direcção dos assuntos estatais, o aumento da consciência comunista e da cultura comunista na população, e o desenvolvimento da democracia socialista conduzirão ao progressivo desaparecimento das formas de coação da ditadura do povo soviético, sendo substituídas pela influência da opinião pública, estreitando-se cada vez mais as funções políticas do Estado, que ficaria como órgão de direcção da vida económica do país."

    Pyzhikov resume assim outras partes deste documento inédito:

    "Particularmente, o esboço referia-se ao desenvolvimento da democratização da ordem soviética. Este projecto entendia como essencial a integração dos trabalhadores na direcção do Estado, na actividade estatal e social diária sobre a base de um desenvolvimento estável do nível cultural das massas e uma simplificação máxima das funções de direcção estatal. Na prática, estabelecia a unificação do trabalho produtivo com a participação na direcção dos assuntos estatais, no caminho de conseguir a total direcção do estado por parte de toda a classe trabalhadora. O projecto apostava, também, no controle directo por parte do povo sobre a actividade legislativa. O caminho era o seguinte:

    a) Colocar em prática o voto universal na tomada de decisões, das questões fundamentais da vida governamental, tanto na esfera social como económica, assim como em questões relacionadas com a vida, as condições de vida e o desenvolvimento cultural.

    b) Ampliar a iniciativa legislativa a partir da base, concedendo às organizações sociais o direito a apresentar propostas legislativas ao Soviete Supremo.

    c) Confirmar o direito dos cidadãos e organizações sociais para apresentar directamente propostas ao Soviete Supremo relacionadas com as questões mais importantes da política nacional e internacional.

    Também se tinha em conta o modo como se realizavam as eleições dos directores. O projecto do programa do Partido apostava, de acordo com o grau de desenvolvimento caro ao comunismo, pela eleição de todos os cargos do estado, por mudanças no funcionamento de uma série de órgãos estatais para convertê-los em instituições responsáveis da contabilidade e supervisão da economia. Para isto, o máximo desenvolvimento possível de organizações voluntárias e independentes foi considerado importante. Reforçou-se a importância da transformação comunista do conhecimento do povo, do desenvolvimento, sobre a base da democracia socialista, entre as massas populares da "cidadania socialista", do “heroísmo do trabalho" e do "valor do Exército Vermelho".

    13. Seguindo Pyzhikov, Zhdanov informou sobre o trabalho da comissão de planeamento na reunião do Comité Central de Fevereiro de 1947. Propôs convocar o XIX Congresso do Partido nos finais de 1947 ou em 1948. Também deu a conhecer um plano para convocar uma conferência do partido uma vez por ano, "com a renovação obrigatória" de não menos que a sexta parte dos membros do Comité Central anualmente. Com a finalidade de levar-se adiante o projecto, cuja "renovação" provocaria uma maior rotação dos membros do Comité Central e que os Primeiros Secretários e outros líderes do Partido estivessem menos agarrados aos seus cargos, abria-se as portas do órgão mais importante do Partido a novos dirigentes, facilitando o exercício da crítica aos seus líderes. (Pyzhikov 96).

    14. Este corajoso projecto repete muitas das ideias da “diminuição do estado" contidas na obra de Lenin "O Estado e a Revolução", que por sua vez, reflecte as ideias de Marx e Engels sobre o tema. Propondo a participação democrática directa em todas as decisões estatais vitais para o povo soviético e para as suas organizações populares, e a "renovação" - ou quando pelo menos, a possibilidade de substituição - de nada menos que uma sexta parte do Comité Central a cada ano através de uma Conferência do Partido, o projecto desenvolvia a democracia de base tanto no Estado como no próprio Partido.

    15. Mas o projecto não foi avante, como aconteceu com as propostas anteriores para a democratização do Estado soviético e do Partido. Mas, relativamente a esta situação, desconhecemos os detalhes do modo como sucedeu. Provavelmente foi rejeitado na reunião do Comité Central. O XIX Congresso do Partido foi adiado até 1952. Tão pouco sabemos a razão. A natureza do rascunho do programa do Partido leva-nos a pensar que a postura contrária do Comité Central – impulsionada pelos Primeiros Secretários - pudesse ser o motivo.

    O XIX Congresso do Partido

    16. Parece que Stalin e os seus colaboradores fizeram um último esforço por afastar o Partido do controlo directo do Estado no XIX Congresso do Partido em 1952 e na reunião do Comité Central realizada pouco depois. A começar por Kruschev, a nomenclatura do Partido tentou destruir toda memória deste Congresso. No período de Brezhnev, foram publicadas as transcrições de todos os Congressos do Partido até ao XVIII. Até aos dias de hoje, ainda não foi publicada a transcrição do XIX. Stalin fez um breve discurso no Congresso que foi publicado, o que nunca foi publicado, a não ser breves referências ao mesmo, foi o discurso de noventa minutos que fez na posterior reunião do Comité Central. Ninguém tem a transcrição dessa reunião.

    17. Stalin convocou o Congresso para mudar o estado e a estrutura organizacional do Partido. Entre as mudanças destacavam-se:

    - O nome do Partido, até então "Partido Comunista de Toda a União (Bolchevique)”, foi oficialmente mudado para "Partido Comunista da União Soviética". A mudança ia no sentido de fazer uma aproximação à maior parte dos partidos comunistas do mundo, ligando o partido ao estado.

    - Um "Presidium" subtituiu o Politburo do Comité Central. Este nome também foi utilizado para designar outros órgãos representativos, como, por exemplo, o Presidium do Soviete Supremo. Eliminou-se, ainda, o "político" do nome, depois de tudo, "político" era todo o Partido e não só os dirigentes.

    18. Esta mudança, não restam dúvidas, sugere, também, um órgão que governa apenas o Partido, não o Partido e o Estado. O Politburo era um organismo composto por membros de diferentes origens: o Secretário do Conselho de Ministros (a primeira figura do órgão executivo do Estado – ou seja, o chefe de Estado); o Secretário do Presidium do Soviete Supremo (primeira figura do corpo legislativo); o Secretário Geral do Partido (Stalin); um ou dois Secretários do Partido; e um ou dois ministros do governo. As decisões do Politburo afectavam tanto o Partido como o Governo.

    19. Em comparação com posição suprema do Politburo no país, o papel do Presidium era muito mais limitado, uma vez que, nem o chefe de estado nem o do Soviete Supremo tinham lugares reservados nele. O Presidium era simplesmente o órgão dirigente do Partido Comunista.

    20. Houve mais mudanças:

    - O posto de Secretário Geral (do próprio Stalin) foi suprimido. A partir de agora, Stalin era apenas um dos 10 Secretários do Partido, todos eles com lugar novo Presidium, composto por 25 membros e 11 suplentes, quantidade muito maior que os 9 e 11 do antigo Politburo. A sua numerosa composição fazia dele um órgão mais deliberativo que executivo, impossibilitado de tomar decisões que se executassem de forma rotineira e rápida.

    - A maior parte dos membros do Presidium, acredita-se, eram funcionários do governo, ao invés de líderes do Partido. Khruchev e Malenkov perguntaram-se, mais tarde, como podiam conhecer, ainda que fosse só de ouvir falar, algumas pessoas que eles mesmos sugeriram para o Presidium, se não eram líderes famosos do Partido (pode-se dizer, não eram Secretários do Partido). Stalin nomeou-os, provavelmente, para as posições de liderança no Estado, em contraposição com a liderança no Partido.

    21. Depois de demitir-se como Secretário Geral do Partido no XIX Congresso, Stalin propôs a sua renúncia, na reunião do Comité Central posterior a este Congresso, do seu cargo no Comité Central, mantendo-se apenas como Chefe de Estado (Secretário do Conselho de Ministros).

    22. Se Stalin não fizesse parte do Comité Central, mantendo apenas o posto de Chefe de Estado, os funcionários do governo não sentiriam necessidade de fazer um relatório ao Presidium, o órgão mais alto do Partido. A renúncia de Stalin limitaria a autoridade dos funcionários do Partido, cujo papel "supervisor" no Estado não seria necessário em termos produtivos. Se Stalin não estivesse à frente do Partido, os líderes do Partido, ou seja, a nomenclatura, perderiam prestígio. Os militantes de base já não se sentiriam obrigados a "eleger" – ou melhor dizendo, a confirmar - os candidatos recomendados pelos Primeiros Secretários e pelo Comité Central.

    23. Partindo desta perspectiva, a demissão de Stalin do Comité Central significava um desastre para a nomenclatura, que se sentia protegida das críticas impiedosas da base militante por estar à "Sombra de Stalin". Também significava que, no futuro, apenas as pessoas mais capacitadas permaneceriam tanto na nomenclatura do Partido como na direcção do Estado.

    24. A falta de uma transcrição sugere que o que aconteceu na reunião do partido, incluindo as palavras de Stalin no seu discurso, não foram do agrado da nomenclatura que não quis torná-las públicas. Também indica, é importante acentuá-lo, que Stalin não era "todo-poderoso". Por exemplo, as sérias críticas de Stalin a Molotov e Mikoian durante a reunião só foram publicadas muito depois da sua morte.

    25. O conhecido escritor soviético Konstantin Simonov, participante dessa reunião como membro do Comité Central, foi testemunha do sobressalto e do pânico de Makenkov quando Stalin propôs votar a sua saída do posto de Secretário do Comité Central (Simonov, 244-5). Ante um berreiro da oposição, Stalin não insistiu.

    26. Enquanto tiveram possibilidade, os líderes do Partido tomaram medidas para anular as decisões do XIX Congresso. Numa reunião no dia 2 de Março de um Presidium reduzido (essencialmente os membros do velho Politburo), com Stalin ainda vivo, mas já inconsciente, decidiram reduzir o Presidium de 25 para 10 membros. Basicamente era de novo o antigo Politburo. O número de Secretários do Partido limitou-se outra vez a 5. Khruchev foi nomeado "coordenador" do secretariado e, cinco meses depois, "Primeiro Secretário". Finalmente, em 1966, o Presidium retomou o seu antigo nome, Politburo.

    27. Durante o resto da história da URSS foi o Partido quem continuou a governar a sociedade soviética, e os seus dirigentes formaram uma elite corrupta, que se auto-elegia e ampliava os seus privilégios. Sob Gorbachov, esse grupo dirigente aboliu a URSS, ficando com a riqueza económica e o comando político da nova sociedade capitalista. Aliás, isto significou a perda das liberdades e das vantagens sociais da classe operária e do campesinato cujo trabalho foi o responsável pela imensa riqueza colectiva criada na URSS. Esta mesma nomenclatura continua a dirigir os estados pós-soviéticos na actualidade.

    Lavrentii Beria

    28. Béria é a figura mais difamada da história soviética, tanto que o novo juízo histórico sobre a carreira de Béria, que começou repentinamente após a queda da União Soviética, ainda é mais intenso que a nova avaliação do papel de Stalin, tema principal deste artigo.

    29. Os "Cem Dias" de Béria (na verdade 112 dias, desde a morte de Stalin a 5 de Março de 1953 até à sua destituição em 26 de Junho) testemunham o início de um grande número de reformas dramáticas. Se os líderes soviéticos permitissem que estas reformas se desenvolvessem totalmente, a história da União Soviética, do Movimento Comunista Internacional, da Guerra Fria – pode dizer-se, da última metade do século XX - seria radicalmente diferente.

    30. Todas as iniciativas de reforma de Béria merecem um estudo especial. Apesar do governo russo impedir o acesso às principais fontes primárias, inclusive a investigadores de confiança, podemos concluir que algumas destas iniciativas seriam:

    - A reunificação da Alemanha como um estado não-socialista, neutro, uma medida que seria mais popular entres os alemães, e claramente inoportuna para os aliados da NATO, incluindo os Estados Unidos.

    - A normalização das relações com a Jugoslávia, que prometia abandonar a sua aliança com o Ocidente para voltar ao Kominform.

    - Uma política a respeito das nacionalidades oposta à “russificação” das áreas recentemente anexadas no oeste de Ucrânia e nos Estados bálticos, juntamente com uma política de auxílio a alguns grupos, pelo menos, de nacionalistas na emigração. Uma reforma da política das nacionalidades noutras áreas não-russas, incluindo a Geórgia e Bielorússia.

    - Reabilitações e compensações para aqueles injustamente condenados por corpos judiciais especiais (as troikas e as "Comissões Especiais" do NKVD) durante os anos 30 e 40. Sob Béria este processo seria muito diferente de como foi realizado mais tarde sob Khruschev, que "reabilitou" muitos que eram inquestionavelmente culpados.

    31. Algumas reformas de Béria foram realizadas quase completamente, como:

    - A amnistia para um milhão de prisioneiros por crimes contra o Estado.

    - A Conclusão da investigação do "Complô dos Médicos", juntamente com o reconhecimento de que as acusações foram injustas, e o consequente castigo para os funcionários do NKVD implicados, e ainda a destituição do Comité Central de Kruglov, antiga liderança do NKVD.

    - Limitação do poder da "Comissão Especial" do NKVD para sentenciar pessoas à morte ou a longas penas de prisão.

    - Numa campanha não só contra o "culto" a Stalin, mas também, contra o "culto" a qualquer líder, proibição da exibição de retratos de líderes nos comícios. Esta, última, disposição foi anulada por ordens do Partido pouco depois da destituição de Béria.

    Os movimentos de Béria a prol duma reforma democrática

    32. Oficialmente, Béria foi detido pelos seus companheiros do Politburo e por alguns generais a 26 de Junho de 1953. Mas os detalhes desta suposta detenção são obscuros, e existem versões contraditórias. De qualquer modo, durante a reunião do Comité Central dedicada a acusar Béria de vários delitos, em Julho de 1953, Mikoyan afirmou:

    Quando fez a sua apresentação na Praça Vermelha sobre a sepultura do camarada Stalin, depois do seu discurso, falei com ele: "No seu discurso há uma parte na qual você garante a todos os cidadãos os direitos e liberdades previstas na Constituição. Mas se, no discurso de um simples orador não tem que haver nenhuma frase verdadeira; o discurso de um ministro de política interior, que é um programa de acção, deve ser cumprido". Respondeu-me: vou cumpri-lo. (Beria 308-9; Mukhin 178)

    33. Béria disse algo que alarmou Mikoyan. Aparentemente foi o facto de, durante a parte crucial do seu discurso na Praça Vermelha, quando fez referência à Constituição, Béria não mencionar o Partido Comunista, e apenas falar sobre o Governo Soviético. Béria falou em segundo lugar, depois de Malenkov, uma demonstração pública de que era agora o segundo no poder, no Estado soviético. O que Béria disse foi:

    "Os trabalhadores, os camponeses das propriedades colectivas e a intelectualidade do nosso país podem trabalhar pacificamente com confiança, sabendo que o Governo soviético garante diligente e incansavelmente os seus direitos, tal e como figuram na Constituição de Stalin...A partir de agora, a política exterior do Governo soviético será a política leninista-stalinista de manter e reforçar a paz...” (Béria, Discurso)

    34. Mukhin sugere a possível interpretação deste parágrafo:

    "As pessoas comuns compreenderam apenas parte do sentido do que Béria disse, mas a nomenclatura do Partido entendeu que este era um duro golpe. Béria tinha a intenção de conduzir o país sem o Partido, pode-se dizer, sem eles; prometeu às pessoas proteger os seus direitos, que não os outorgava ao partido, mas sim à Constituição!" (Mukhin, 179)

    35. Nesta mesma reunião de Junho de 1953, Khrushchev afirmou:

    "Lembremos como Rakosi (líder comunista húngaro) disse: Gostaria de saber o que é que decide o Conselho de Ministros e que tipo de divisão deve existir no Comité Central...Beria contestou tranquilamente: Que Comité Central? Deixemos que o Conselho de Ministros decida e que o Comité Central se ocupe das suas funções de quadros e propaganda" (Béria 91).

    36. Mais tarde, nessa mesma reunião, Lazar Kaganovich notou o que foi exposto por Khruchev:

    "O Partido para nós é o mais importante. Não se permite que ninguém fale dele como esse despeitado (Béria), que disse: o Comité Central (para) quadros e propaganda, não para o poder político, não para dirigir toda a vida, como nós, os bolcheviques, o entendemos." (Béria 138)

    37. Parece que estes homens temiam que Béria tentasse destituir o Partido do controlo directo do país. Isto era muito semelhante ao que Stalin e os seus colaboradores quiseram fazer durante as discussões constitucionais entre 1935 e 1937.Também aparece esta ideia no rascunho do programa do Partido de 1947, na reestruturação que Stalin realizou no XIX Congresso e na imediata reunião do Comité Central.

    38. Sergei, filho de Béria, afirma que o seu pai e Stalin estiveram de acordo na necessidade de afastar o Partido da direcção directa da sociedade soviética.

    As relações do meu pai com os órgãos do Partido foram complicadas...[O partido] jamais acatou as suas críticas ao aparelho partidário. Por exemplo, disse directamente a Khruchev e Malenkov que o aparelho do Partido corrompia as pessoas. Era necessário anos antes, quando o Estado soviético acabava de formar-se. Mas, o meu pai perguntava-lhes: "Quem precisa hoje destes controlos? [Beria] tinha este tipo de conversas francas com directores de indústrias e fábricas a quem, evidentemente, não lhes importavam nada os inúteis do Comité Central. O meu pai era igualmente sincero com Stalin. Joseph Vissarionovich estava de acordo que o aparelho do Partido tirasse de si mesmo responsabilidades em matérias concretas e não tinha nada que fazer além de debater. Sei que um ano antes da sua morte, quando apresentava o novo desenho do Presidium do Comité Central, Stalin fez um discurso centrado na necessidade de encontrar novas formas de dirigir o país, já que os velhos caminhos não eran os melhores. Começou então uma viva discussão sobre a actividade do Partido (Sergo Beria, Moy Otets Lavrentii Beria).

    39. A reestruturação planeada por Béria das relações entre o Estado e o Partido, provavelmente seria muito bem acolhida pelos militantes de base, para não falar da maioria dos cidadãos soviéticos não militantes. Mas constituía uma grande ameaça para a nomenclatura.

    40. Mukhin explica isso assim:

    "Beria não desistiu de convencer as pessoas de que o país devia ser governado, em todo o território, pelos Sovietes, como reconhecia a Constituição, e que o Partido tinha que ser um órgão ideológico que, mediante a propaganda, ajudaria a garantir que todos os sovietes fossem comunistas. Béria propôs levar à prática o autêntico espírito da Constituição consagrado no lema: "Todo o poder aos Sovietes!" Ainda que Béria trabalhasse exclusivamente na esfera ideal, podia ser desagradável para a nomenclatura, mas não perigoso. Eles tinham o poder, podiam seleccionar delegados para o Soviete Supremo instruídos de tal forma que impossibilitasse que se colocasse em prática as ideias de Béria. Mas, se Béria não permitisse aos secretários e ao Comité Central dirigir as eleições e a sessão do Soviete Supremo, que decisões poderiam tomar os deputados?” (Ubiystvo 363-4)

    41. Evidentemente, isto fez com que Beria colidisse com a maioria da nomenclatura do Partido (Ubiystvo 380). Khruchev representava os interesses deste grupo ou, pelo menos, uma parte grande e activa do mesmo. E Khruschev tinha um conceito completamente distinto da "democracia". O famoso director de cinema Mikhail Romm registou as palavras de Khruchev numa reunião com intelectuais:

    "Por suposto que vos escutamos, e falamos convosco. Mas quem decidirá? No nosso país é o povo quem tem que decidir. E quem é o povo? É o Partido. E quem é o Partido? Nós somos o Partido. Isto significa que nós decidiremos. Decidirei eu. Entendido?" (Alikhanov)

    42. Como Mukhin disse: "o Partido, como uma organização de milhões de comunistas, chegava ao seu fim. O grupo de pessoas das altas esferas converteu-se no Partido".(Mukhin, Ubiystvo 494)

    Mortes de Stalin e Béria

    43. Além das misteriosas circunstâncias da morte de Béria, existem suficientes provas para considerar que deixaram Stálin morrer, encontraram-o no chão do seu escritório depois de ter sido golpeado ou, talvez, até envenenado. Não temos tempo ou espaço para resumir esta questão aqui.

    44. Porém, não é necessário para os objectivos deste trabalho. A enorme circulação e credibilidade destas suposições entre russos de todo o espectro político exemplifica que muitos russos supõem que as mortes de Stalin e Béria convinham muito à nomenclatura. Estas provas, independentes de outras que possam indicar que foram assassinados, demonstram que tanto Stalin como Béria queriam uma perestroika comunista, uma "reestruturação", ainda que política, não económica (como a que aconteceu no final dos anos 80), do poder.

    45. O resultado imediato dos fracassos de Stalin e Béria na democratização foi a URSS ficar nas mãos dos líderes do Partido. Não se chegou à democracia operária na URSS. A nomenclatura do Partido continuou a monopolizar o controlo das questões-chave, inclusive no Estado e na economia, desenvolvendo uma elite parasitária e exploradora, com fortes semelhanças aos seus homólogos dos países abertamente capitalistas.

    46. Realmente, este elite continua hoje no poder. Gorbachov, Ieltsin, Putin, e o resto dos líderes da Rússia e das antigas repúblicas soviéticas são todos antigos membros da direcção do Partido. Durante muito tempo aproveitaram-se dos cidadãos da União Soviética como funcionários super privilegiados. Com Gorbachov, foram eles os que dirigiram a privatização de toda a propriedade colectiva que pertencia à classe operária da URSS, empobrecendo não só os trabalhadores, mas também a maioria da classe média. Este processo foi qualificado como a maior expropriação na história do mundo. (The Party nomenklatura destroyed the Soviet Union. Bivens & Bernstein; O' Meara; Williamson)

    47. Para esconder o seu protagonismo nas execuções massivas dos anos 30, os seus êxitos em frustrar as tentativas democratizantes de Stalin, os seus fracassos em colocar em prática as reformas de Stalin e Béria – pode dizer-se, então, esconder o seu fracasso em democratizar a União Soviética - Khruschev e os líderes do Partido culparam Stalin de tudo, mentindo sobre a existência de conspirações sérias na URSS dos anos 30, e escondendo o seu papel nas execuções em massa que se seguiram.

    48. O "discurso secreto" de Khruchev foi o maior golpe contra o movimento comunista mundial na história. Estimulou os anti-comunistas de todo o mundo, que decidiram que agora havia um líder comunista em quem podiam confiar. Os documentos que vieram a público após a queda da URSS demonstraram que praticamente todas as acusações de Khruchev contra Stalin eram falsas. Esta evidência, da nossa sua parte, obriga-nos a investigar as verdadeiras motivações do ataque de Khruschev a Stalin. Os investigadores russos já demonstraram que as acusações "oficiais" contra Béria, citadas por Khruchev e pelos seus seguidores na direcção soviética, são falsas ou carecem absolutamente de provas. Béria foi assassinado judicialmente por razões que os seus executores jamais revelaram. O monte de mentiras que envolvem estes acontecimentos fazem com que nos tenhamos que perguntar: Que aconteceu realmente? O presente ensaio quer ser uma resposta.

Conclusão e futura investigação

    49. Já que Stalin pensava na participação de vários partidos no seu projecto de eleições, que tipo de democracia seria esta? As perguntas sobre a democracia têm que começar com outra pergunta: "Que se entende por democracia?".

    50. No mundo capitalista industrializado a "democracia" equivale a um sistema onde os partidos políticos competem em eleições, mas em que todos os partidos políticos são controlados pelas elites ricas e autoritárias. Tão pouco esta "democracia" permite mudar o sistema económico capitalista por outro alternativo. Esta "democracia" é uma criação da classe capitalista dirigente. Pode dizer-se, esta "democracia" é uma "falta de democracia".

    51. Seriam possíveis eleições nas quais participam cidadãos e grupos de cidadãos dentro dos limites que supõe aceitar o poder dirigente da classe operária? Podem funcionar numa futura sociedade socialista? Qual é o papel da "democracia representativa", ou seja, das eleições, numa sociedade que busca acabar com as classes sociais? Como esta aposta recomendada na Constituição de 1936 nunca foi levada à prática, não podemos saber quais seriam os aspectos positivos e negativos da mesma. Marx e Engels fizeram importantes análises sobre a natureza da democracia proletária, baseando-se no estudo da prática da Comuna de Paris. É uma pena que não tenhamos contado com a experiência de eleições abertas na União Soviética na época de Stalin. Poderíamos aprender muito sobre as debilidades e as vantagens deste sistema.

    52. Os estudos impulsionados pelo anti-comunismo seguem dando espaço ao velho e falso, ainda que não suficientemente desacreditado, paradigma Khrushchev/GuerraFria/Anti-stalinismo. Mas o processo de reinterpretar a história da União Soviética à luz dos documentos, anteriormente secretos, soviéticos começou há muito na Rússia. Chegará logo a outras partes do mundo. Um dos principais objectivos destes estudos é o de introduzir outras pessoas nesta nova interpretação.

    53. Há um aspecto que surpreenderá quase todos os leitores. Através do "culto à personalidade", a adulação à figura de Stalin, fomos condicionados para ver em Stalin um "ditador todo-poderoso". Esta mentira fundamental no paradigma históricoKrushchev/Guerra Fria, feito em pedaços pelas investigações que apresento neste ensaio, deformou fatalmente a nossa compreensão da história soviética. De facto, Stalin nunca foi "todo-poderoso". Foi limitado pelos esforços combinados de outros líderes do Partido. Nunca foi capaz de atingir o seu objectivo de reformas constitucionais. Tão pouco podia controlar aos Primeiros Secretários e o NKVD.

    54. O "culto" apagou estas lutas políticas. As transcrições da reunião do Comité Central demonstram que, ainda que às vezes os líderes bolcheviques divergissem abertamente de Stalin, isso aconteceu em raras ocasiões. As disputas políticas não eram tratadas abertamente até serem resolvidas, mas de outras formas, como foi o caso dos Primeiros Secretários em Julho de 1937. Outras vezes utilizavam-se métodos policiais, interpretando o desacordo político como uma oposição hostil.

    55. Independentemente do mecanismo de resolução das discrepâncias, o resultado do "culto" foi um autoritarismo profundamente anti-democrático. Stalin pareceu ser um dos poucos líderes soviéticos a compreender isto. Ao longo da sua vida condenou o "culto" em muitas ocasiões. Porém, nunca se deu conta da intensidade dos danos que podia causar.

    56. As conclusões a que chegamos, quase exclusivamente sobre a base de outras investigações, sugerem novos temas importantes para uma investigação adicional.

    Que forma pode tomar a "democracia" numa sociedade socialista que tem como objectivo gerar uma sociedade sem classes? Um modelo como o previsto por Stalin na Constituição de 1936, democratizando a União Soviética e reestaurando o papel original do Partido Bolchevique, como uma organização de revolucionários cuja principal função é conduzir o país ao comunismo? Ou este modelo já incorpora aspectos capitalistas da democracia burguesa que acelerariam, no interesse de impedi-lo, a evolução de uma URSS que seria cara ao capitalismo?

    - Qual é o papel apropriado de um partido comunista numa sociedade deste tipo? Quais são as formas específicas da direcção política compatíveis com a posse do poder democrático pela classe operária? Que formas de direcção política e económica são contrárias a estes objectivos?

    57. Uma vez que nos perguntamos se as eleições e o governo "representativo" bastariam para expressar os interesses dos trabalhadores e camponeses, vemos que a Constituição de 1936, sendo posta em prática, tão pouco seria suficiente. Isto leva-nos a pensar que a “solução” tão pouco passa por fortalecer o Estado e debilitar o Partido - e parece que foi isto o que pensaram Stalin e Béria. Os marxistas imaginam que o estado pode ser dirigido tanto por uma classe quanto por outra, mas também é preciso antecipar se uma nova classe dirigente proveniente das camadas superiores do Partido, ou de alguma outra parte da sociedade, governaria e mudaria o estado para fazer este novo poder mais efectivo. Isto sugere que a diferença entre Partido e Estado é artificial e enganosa, e deve ser suprimida.

    O termo burocratismo, ou burocracia, ainda que aponte um problema, cria outros. Sugiro que as questões expostas anteriormente - sobre a democracia e o papel do partido - devem levar-nos a empregar modos mais materialistas de pensar as relações, numa sociedade socialista, entre a parte organizada e politicamente mais consciente, e a menos organizada ou menos consciente politicamente, que representa a maioria produtiva.

    Os bolcheviques geralmente, e Stalin expressamente, faziam uma grande distinção entre preparação política e habilidade técnica ou educação. Mas eles nunca estudaram suficientemente a contradição entre "militante" e "técnico", como se fez durante a Revolução Cultural chinesa. A ideia compartilhada por quase todos os socialistas de que se poderia separar a supervisão política do conhecimento técnico e a produção, reflecte, em parte, a noção errada de que a ciência - a técnica – é politicamente neutra, e de que uma produção económica eficaz já era politicamente de esquerda ou comunista. A contradição entre Estado-Partido é continuação desta outra contradição (entre o militante e o técnico).

    Que significa "democracia interna" no contexto de um partido comunista? Na URSS, muitas das forças de oposição cujos pontos de vista foram derrotados nas Conferências e Congressos do Partido durante os anos 20, enveredaram por um caminho de conspirações que, no seu último fôlego, procuravam o assassinato de dirigentes do Partido, golpes de Estado e colaborações, através de actividades de espionagem, com as potências capitalistas inimigas. Ao mesmo tempo, líderes regionais do Partido desenvolveram hábitos ditatoriais que, por sua vez, os afastavam da militância do Partido (e, por suposto, da população não-comunista, que era muito mais numerosa), e por outro lado, garantiam privilégios materiais.

    58. As vantagens materiais dos altos cargos do Partido jogaram um importante papel, decisivo até, no desenvolvimento do que se conheceu como nomenclatura. Igualmente, o evidente objectivo de Stalin de afastar o Partido do comando directo e devolvê-lo às tarefas de "agitação e propaganda" poderia sugerir uma tomada de consideração desta contradição por parte de Stalin e, talvez, também, por outros dirigentes. Até que ponto as grandes diferenças salariais eram essenciais para estimular a industrialização na URSS? E se estas diferenças fossem essenciais, foi um erro conceder privilégios materiais a membros do Partido (melhor salário, melhor alojamento, casas especiais, etc.? O contexto político em que se tomaram estas decisões, final dos anos 20 e princípios dos 30, deve ser estudado com mais vagar. Os debates, que ocorreram no princípio dos anos 30 e que por agora ainda não estão disponíveis, referentes ao salário máximo dos membros do Partido, têm que ser descobertos e estudados.

    59. Parece que Zhukov e Mukhin pensaram que a táctica, que eles atribuem a Stalin e Béria, de afastar os líderes do Partido da direcção do Estado, era a melhor para impedir a degeneração do Partido. Como sugeri anteriormente, talvez a verdadeira causa da degeneração do Partido foi a defesa dos seus privilégios, mais que a contradição "militante-técnico".

    60. Pensava-se, por suposto, na necessidade dos incentivos materiais, primeiro, para recrutar técnicos para edificar a base industrial da URSS, especialistas no seu trabalho, mas burgueses, anti-comunistas e inimigos da classe operária. Partindo deste princípio, podemos argumentar que os altos salários foram necessários para animar os técnicos especializados (incluindo trabalhadores especializados) que se filiassem ao Partido Bolchevique; ou para trabalhar duro en condições adversas, a miude perigosas para a saúde, e sacrificando a vida familiar. Isto serviria para justificar as desigualdades semelhantes ás do mundo capitalista.

    61. Pode dizer-se que Stalin e Béria pensaram que devolvendo o Partido à sua função puramente política, poderiam impedir a sua degeneração. Mas como esta estratégia nunca foi levada à prática, não podemos saber se funcionaria. Acreditamos, contudo, que a questão dos "incentivos materiais", ou seja, da desigualdade económica, é fundamental. Nas conversas com Félix Chuev, um Molotov já idoso reflecte sobre a necessidade de aumentar o igualitarismo, preocupando-se com o futuro do socialismo na URSS, ameaçado com o maior crescimento das desigualdades. Molotov não via as raízes desta desigualdade nos tempos de Lênin e Stalin. De facto, Molotov, como Stalin, era incapaz de analisar criticamente o legado de Lenin, embora existisse a proposta de manter e ampliar algumas desigualdades com a finalidade de estimular a produção podemos encontrá-la em Lenin e, recuando ainda mais, em Marx na Crítica ao Programa de Gotha.
    62. As perguntas que cada um faz reflectem inevitavelmente as preocupações próprias, e o meu caso não é uma excepção. Penso que a história do Partido Bolchevique durante a etapa de Stalin - uma história adulterada pelas calúnias anti-comunistas que ainda tem de ser escrita - tem muito que ensinar às futuras gerações. Os activistas políticos que estudam o passado para guiar-se, ou os investigadores com consciência política que entendem que suas melhores contribuições para um futuro melhor passam pelo estudo das lutas do passado, todos têm muito a aprender com a história da União Soviética.

    63. Como marinheiros da Idade Média, com mapas mais imaginários que reais, nós fomos enganados por histórias canónicas sobre a URSS, a maior parte delas falsas. O processo de descobrir a história real da primeira experiência socialista acaba de começar. Como pode compreender qualquer leitor deste ensaio, acredito que isto é de uma enorme importância para o futuro.


1 comentário:

  1. Gostei muito desse artigo. Foi como um balde de água fria na minha cabeça. Em poucos parágrafos entendi como foi desmontada a URSS. O PCUS estava no poder com sua nomenclatura, mas o povo.....oras o povo!!!! Que comam brioches!!! E deu no que deu......O capitalismo e sua sociedade sem futuro avançou para o Leste Europeu, mas o povão de lá não está muito seguro como tudo isso ainda vai acabar....

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