Durante
a guerra
"Em
Janeiro de 1944...pela primeira vez durante a guerra, foi convocado
conjuntamente o Comité Central e uma sessão do Soviete Supremo da
URSS. Molotov e Malenkov prepararam um rascunho de um decreto do
Comité Central em que se afastava legalmente o Partido do poder. O
Partido manteria as suas funções de agitação e propaganda, assim
como a selecção de quadros; ninguém poderia afastá-lo destas
tarefas próprias de partido. O esboço impedia o Partido de
intervir nas questões económicas e no funcionamento dos órgãos
do Estado. Stalin leu o rascunho, trocou seis palavras, e escreveu:
"De acordo". O que aconteceu depois continua a ser um
mistério...
Esta
era uma nova tentativa de reduzir o papel do Partido no Estado,
retendo apenas as funções que teve, de facto, durante a guerra. O
esboço tinha cinco assinaturas: Molotov, Malenkov, Stalin,
Khrushchev e Andreev. Não existe nenhum registo taquigráfico, pelo
que só podemos especular sobre o sentido do voto dos restantes
participantes na reunião. Nem sequer o influente Comité Estatal de
Defesa, com quatro membros no Politburo, desejou mudar o estado das
coisas. Isto mostra, mais uma vez, que Stalin nunca teve o poder que
lhe é reconhecido tanto por anti-stalinistas, como por stalinistas.”
(Zhukov, Kul'tovaia)
2.
Desconhecemos como se pensava distanciar o Partido das questões
económicas e do estado. Provavelmente, previa-se um outro método
para dotar os órgãos do estado de pessoal. Significaria isto um
regresso às eleições previstas na Constituição de 1936?
3.
Independentemente das respostas a estas perguntas, parece claro que
o Comité Central, dominado pelos Primeiros Secretários do Partido,
rejeitou novamente os projectos do grupo de Stalin para mudar o
sistema soviético. No seu relatório Secreto, Khruschev nega que
tenha ocorrida essa reunião! Já que a maior parte dos membros do
Comité Central presentes na leitura do relatório sabiam que isto
era falso, pode ser que o objectivo desta mentira fosse deixar claro
que esse perigoso movimento contra o seu poder estava formalmente
enterrado.
Depois
da Guerra
4.
Vimos que Stalin se preocupava com um importante problema, tanto
para a URSS como para o Partido Bolchevique, a situação de "duplo
poder". O Partido, no governo, era quem realmente dirigia a
sociedade. Cada vez mais, os funcionários deixavam as tarefas de
incentivar a produção para se ocuparem do poder através da
supervisão.
5.
Afastando o Partido do controle directo de estado atingiriam-se
vários obcjetivos:
-
Seria finalmente institucionalizada a Constituição de 1936,
reforçando os laços entre a população e o estado soviético.
-
Seria devolvida a direcção dos órgãos estatais àqueles
realmente qualificados.
-
Impedia-se que os níveis superiores do Partido se convertessem numa
casta de parasitas e corruptos.
6.
O Politburo reunia-se, antes da guerra, pelo menos duas vezes por
semana. Em Maio de 1941, Stalin converte-se na primeira figura
oficial do Estado soviético, deixando a Molotov o posto de
Secretário do Conselho de Comissários do Povo (Sovnarkom), órgão
executivo oficial do governo da URSS.
7.
Mas, durante a guerra, a URSS não foi dirigida nem por este órgão
nem pelo Partido, e sim pelo Comité Estatal de Defesa, composto por
Stalin e três dos seus colaboradores mais próximos. Durante a
guerra, o Comité Central convocou uma só reunião, enquanto as
reuniões do Politburo, não só durante a guerra, mas também no
final da mesma, eram muito raras. Segundo Pyzhikov, "o
Politburo, na prática, não exercia o poder". O dissidente
soviético Zhores Medvedev afirma que o Politburo se reuniu apenas 6
vezes em 1950, 5 em 1951 e 4 em 1952. Pode-se dizer que Stalin
distanciou o Politburo do controlo do Estado (Pyzhikov, 100;
Medvedev, Sekretnyi).
8.
Parece, também, que Stalin descuidou o seu papel como primeira
figura do Partido. As reuniões do Comité Central foram acontecendo
cada vez mais distanciadas no tempo. Em 13 anos, de 1939 até 1952,
não se convocou nenhum Congresso do Partido. Após a guerra, Stalin
assinou decisões conjuntas do Partido e do governo simplesmente
como Secretário do Conselho de Ministros (o famoso Conselho de
Comissários Populares), delegando a um dos outros secretários do
Partido, Zhdanov ou Malenkov, que assinassem em nome do Partido
(Pyzhikov 100).
9.
A autoridade do Partido continuava a ser grande. Ainda que, talvez,
isto se verificasse apenas porque Stalin ainda era o Secretário
Geral do Partido e o único líder do grupo de aliados que
permanecia no activo depois da guerra. Roosevelt morrera e Churchill
perdera as eleições de 1945. Não exageramos se afirmamos que,
entre os trabalhadores, Stalin era a pessoa mais conhecida e
respeitada do mundo. O movimento comunista que ele encabeçava era a
esperança de centenas de milhões de pessoas. A sua figura ainda se
tornou mais famosa como consequência da vitória sobre o fascismo.
O grande prestígio de Stalin como chefe de estado, concedia
autoridade ao conjunto da direcção do Partido (Mukhin, Ubiystvo
622; Ch. 13).
10.
As acções de Stalin sugerem que ele ainda tentava desalojar o
Partido do controlo directo do estado. Porém, se assim aconteceu,
deve tê-lo feito com muitas precauções. Podemos deduzir as razões
desta atitude cuidadosa:
-
A exposição de uma infundada falta de confiança no Partido
significaria um péssimo exemplo para outros países do mundo, onde
os Partidos Comunistas ainda não estavam no poder.
-
Tinha contra si o Comité Central e a nomenclatura do partido, como
já acontecera antes da guerra.
Eis
as razões que explicariam a sua cautela, evitando possíveis
choques.
O
Projeto de Programa de Partido de 1947
11.
É provável que os projectos de democratização do grupo de Stalin
fossem mais que aqueles que conhecemos hoje. Aleksander Pyzhikov,
historiador anti-comunista e anti-estalinista, citou interessantes
partes de um esboço de programa do Partido datado de 1947, no qual
se impulsionava a democracia e o igualitarismo na URSS. Este
fascinante e totalmente desconhecido projecto nunca foi,
evidentemente, publicado e não está à disposição de outros
investigadores.
12.
As citações de Pyzhikov são as seguintes:
"O
desenvolvimento da democracia socialista como base da construção de
uma sociedade socialista sem classes converterá, cada vez mais, a
ditadura do proletariado na ditadura do povo soviético. A
participação cada vez maior dos indivíduos na direcção dos
assuntos estatais, o aumento da consciência comunista e da cultura
comunista na população, e o desenvolvimento da democracia
socialista conduzirão ao progressivo desaparecimento das formas de
coação da ditadura do povo soviético, sendo substituídas pela
influência da opinião pública, estreitando-se cada vez mais as
funções políticas do Estado, que ficaria como órgão de direcção
da vida económica do país."
Pyzhikov
resume assim outras partes deste documento inédito:
"Particularmente,
o esboço referia-se ao desenvolvimento da democratização da ordem
soviética. Este projecto entendia como essencial a integração dos
trabalhadores na direcção do Estado, na actividade estatal e social
diária sobre a base de um desenvolvimento estável do nível
cultural das massas e uma simplificação máxima das funções de
direcção estatal. Na prática, estabelecia a unificação do
trabalho produtivo com a participação na direcção dos assuntos
estatais, no caminho de conseguir a total direcção do estado por
parte de toda a classe trabalhadora. O projecto apostava, também, no
controle directo por parte do povo sobre a actividade legislativa. O
caminho era o seguinte:
a)
Colocar em prática o voto universal na tomada de decisões, das
questões fundamentais da vida governamental, tanto na esfera social
como económica, assim como em questões relacionadas com a vida, as
condições de vida e o desenvolvimento cultural.
b)
Ampliar a iniciativa legislativa a partir da base, concedendo às
organizações sociais o direito a apresentar propostas legislativas
ao Soviete Supremo.
c)
Confirmar o direito dos cidadãos e organizações sociais para
apresentar directamente propostas ao Soviete Supremo relacionadas
com as questões mais importantes da política nacional e
internacional.
Também
se tinha em conta o modo como se realizavam as eleições dos
directores. O projecto do programa do Partido apostava, de acordo
com o grau de desenvolvimento caro ao comunismo, pela eleição de
todos os cargos do estado, por mudanças no funcionamento de uma
série de órgãos estatais para convertê-los em instituições
responsáveis da contabilidade e supervisão da economia. Para isto,
o máximo desenvolvimento possível de organizações voluntárias e
independentes foi considerado importante. Reforçou-se a
importância da transformação comunista do conhecimento do povo,
do desenvolvimento, sobre a base da democracia socialista, entre as
massas populares da "cidadania socialista", do “heroísmo
do trabalho" e do "valor do Exército Vermelho".
13.
Seguindo Pyzhikov, Zhdanov informou sobre o trabalho da comissão de
planeamento na reunião do Comité Central de Fevereiro de 1947.
Propôs convocar o XIX Congresso do Partido nos finais de 1947 ou em
1948. Também deu a conhecer um plano para convocar uma conferência
do partido uma vez por ano, "com a renovação obrigatória"
de não menos que a sexta parte dos membros do Comité Central
anualmente. Com a finalidade de levar-se adiante o projecto, cuja
"renovação" provocaria uma maior rotação dos membros do
Comité Central e que os Primeiros Secretários e outros líderes do
Partido estivessem menos agarrados aos seus cargos, abria-se as
portas do órgão mais importante do Partido a novos dirigentes,
facilitando o exercício da crítica aos seus líderes. (Pyzhikov
96).
14.
Este corajoso projecto repete muitas das ideias da “diminuição
do estado" contidas na obra de Lenin "O Estado e a
Revolução", que por sua vez, reflecte as ideias de Marx e
Engels sobre o tema. Propondo a participação democrática directa
em todas as decisões estatais vitais para o povo soviético e para
as suas organizações populares, e a "renovação" - ou
quando pelo menos, a possibilidade de substituição - de nada menos
que uma sexta parte do Comité Central a cada ano através de uma
Conferência do Partido, o projecto desenvolvia a democracia de base
tanto no Estado como no próprio Partido.
15.
Mas o projecto não foi avante, como aconteceu com as propostas
anteriores para a democratização do Estado soviético e do
Partido. Mas, relativamente a esta situação, desconhecemos os
detalhes do modo como sucedeu. Provavelmente foi rejeitado na
reunião do Comité Central. O XIX Congresso do Partido foi adiado
até 1952. Tão pouco sabemos a razão. A natureza do rascunho do
programa do Partido leva-nos a pensar que a postura contrária do
Comité Central – impulsionada pelos Primeiros Secretários -
pudesse ser o motivo.
O
XIX Congresso do Partido
16.
Parece que Stalin e os seus colaboradores fizeram um último esforço
por afastar o Partido do controlo directo do Estado no XIX Congresso
do Partido em 1952 e na reunião do Comité Central realizada pouco
depois. A começar por Kruschev, a nomenclatura do Partido tentou
destruir toda memória deste Congresso. No período de Brezhnev,
foram publicadas as transcrições de todos os Congressos do Partido
até ao XVIII. Até aos dias de hoje, ainda não foi publicada a
transcrição do XIX. Stalin fez um breve discurso no Congresso que
foi publicado, o que nunca foi publicado, a não ser breves
referências ao mesmo, foi o discurso de noventa minutos que fez na
posterior reunião do Comité Central. Ninguém tem a transcrição
dessa reunião.
17.
Stalin convocou o Congresso para mudar o estado e a estrutura
organizacional do Partido. Entre as mudanças destacavam-se:
-
O nome do Partido, até então "Partido Comunista de Toda a
União (Bolchevique)”, foi oficialmente mudado para "Partido
Comunista da União Soviética". A mudança ia no sentido de
fazer uma aproximação à maior parte dos partidos comunistas do
mundo, ligando o partido ao estado.
-
Um "Presidium" subtituiu o Politburo do Comité Central.
Este nome também foi utilizado para designar outros órgãos
representativos, como, por exemplo, o Presidium do Soviete Supremo.
Eliminou-se, ainda, o "político" do nome, depois de tudo,
"político" era todo o Partido e não só os dirigentes.
18.
Esta mudança, não restam dúvidas, sugere, também, um órgão que
governa apenas o Partido, não o Partido e o Estado. O Politburo era
um organismo composto por membros de diferentes origens: o
Secretário do Conselho de Ministros (a primeira figura do órgão
executivo do Estado – ou seja, o chefe de Estado); o Secretário
do Presidium do Soviete Supremo (primeira figura do corpo
legislativo); o Secretário Geral do Partido (Stalin); um ou dois
Secretários do Partido; e um ou dois ministros do governo. As
decisões do Politburo afectavam tanto o Partido como o Governo.
19.
Em comparação com posição suprema do Politburo no país, o papel
do Presidium era muito mais limitado, uma vez que, nem o chefe de
estado nem o do Soviete Supremo tinham lugares reservados nele. O
Presidium era simplesmente o órgão dirigente do Partido Comunista.
20.
Houve mais mudanças:
-
O posto de Secretário Geral (do próprio Stalin) foi suprimido. A
partir de agora, Stalin era apenas um dos 10 Secretários do
Partido, todos eles com lugar novo Presidium, composto por 25
membros e 11 suplentes, quantidade muito maior que os 9 e 11 do
antigo Politburo. A sua numerosa composição fazia dele um órgão
mais deliberativo que executivo, impossibilitado de tomar decisões
que se executassem de forma rotineira e rápida.
-
A maior parte dos membros do Presidium, acredita-se, eram
funcionários do governo, ao invés de líderes do Partido. Khruchev
e Malenkov perguntaram-se, mais tarde, como podiam conhecer, ainda
que fosse só de ouvir falar, algumas pessoas que eles mesmos
sugeriram para o Presidium, se não eram líderes famosos do Partido
(pode-se dizer, não eram Secretários do Partido). Stalin
nomeou-os, provavelmente, para as posições de liderança no
Estado, em contraposição com a liderança no Partido.
21.
Depois de demitir-se como Secretário Geral do Partido no XIX
Congresso, Stalin propôs a sua renúncia, na reunião do Comité
Central posterior a este Congresso, do seu cargo no Comité Central,
mantendo-se apenas como Chefe de Estado (Secretário do Conselho de
Ministros).
22.
Se Stalin não fizesse parte do Comité Central, mantendo apenas o
posto de Chefe de Estado, os funcionários do governo não sentiriam
necessidade de fazer um relatório ao Presidium, o órgão mais alto
do Partido. A renúncia de Stalin limitaria a autoridade dos
funcionários do Partido, cujo papel "supervisor" no
Estado não seria necessário em termos
produtivos. Se Stalin não estivesse à frente do Partido, os
líderes do Partido, ou seja, a nomenclatura, perderiam prestígio.
Os militantes de base já não se sentiriam obrigados a "eleger"
– ou melhor dizendo, a confirmar - os candidatos recomendados
pelos Primeiros Secretários e pelo Comité Central.
23.
Partindo desta perspectiva, a demissão de Stalin do Comité Central
significava um desastre para a nomenclatura, que se sentia protegida
das críticas impiedosas da base militante por estar à "Sombra
de Stalin". Também significava que, no futuro, apenas as
pessoas mais capacitadas permaneceriam tanto na nomenclatura do
Partido como na direcção do Estado.
24.
A falta de uma transcrição sugere que o que aconteceu na reunião
do partido, incluindo as palavras de Stalin no seu discurso, não
foram do agrado da nomenclatura que não quis torná-las públicas.
Também indica, é importante acentuá-lo, que Stalin não era
"todo-poderoso". Por exemplo, as sérias críticas de
Stalin a Molotov e Mikoian durante a reunião só foram publicadas
muito depois da sua morte.
25.
O conhecido escritor soviético Konstantin Simonov, participante
dessa reunião como membro do Comité Central, foi testemunha do
sobressalto e do pânico de Makenkov quando Stalin propôs votar a
sua saída do posto de Secretário do Comité Central (Simonov,
244-5). Ante um berreiro da oposição, Stalin não insistiu.
26.
Enquanto tiveram possibilidade, os líderes do Partido tomaram
medidas para anular as decisões do XIX Congresso. Numa reunião no
dia 2 de Março de um Presidium reduzido (essencialmente os membros
do velho Politburo), com Stalin ainda vivo, mas já inconsciente,
decidiram reduzir o Presidium de 25 para 10 membros. Basicamente era
de novo o antigo Politburo. O número de Secretários do Partido
limitou-se outra vez a 5. Khruchev foi nomeado "coordenador"
do secretariado e, cinco meses depois, "Primeiro Secretário".
Finalmente, em 1966, o Presidium retomou o seu antigo nome,
Politburo.
27.
Durante o resto da história da URSS foi o Partido quem continuou a
governar a sociedade soviética, e os seus dirigentes formaram uma
elite corrupta, que se auto-elegia e ampliava os seus privilégios.
Sob Gorbachov, esse grupo dirigente aboliu a URSS, ficando com a
riqueza económica e o comando político da nova sociedade
capitalista. Aliás, isto significou a perda das liberdades e das
vantagens sociais da classe operária e do campesinato cujo trabalho
foi o responsável pela imensa riqueza colectiva criada na URSS.
Esta mesma nomenclatura continua a dirigir os estados pós-soviéticos
na actualidade.
Lavrentii
Beria
28.
Béria é a figura mais difamada da história soviética, tanto que
o novo juízo histórico sobre a carreira de Béria, que começou
repentinamente após a queda da União Soviética, ainda é mais
intenso que a nova avaliação do papel de Stalin, tema principal
deste artigo.
29.
Os "Cem Dias" de Béria (na verdade 112 dias, desde a
morte de Stalin a 5 de Março de 1953 até à sua destituição em
26 de Junho) testemunham o início de um grande número de reformas
dramáticas. Se os líderes soviéticos permitissem que estas
reformas se desenvolvessem totalmente, a história da União
Soviética, do Movimento Comunista Internacional, da Guerra Fria –
pode dizer-se, da última metade do século XX - seria radicalmente
diferente.
30.
Todas as iniciativas de reforma de Béria merecem um estudo
especial. Apesar do governo russo impedir o acesso às principais
fontes primárias, inclusive a investigadores de confiança, podemos
concluir que algumas destas iniciativas seriam:
-
A reunificação da Alemanha como um estado não-socialista, neutro,
uma medida que seria mais popular entres os alemães, e claramente
inoportuna para os aliados da NATO, incluindo os Estados Unidos.
-
A normalização das relações com a Jugoslávia, que prometia
abandonar a sua aliança com o Ocidente para voltar ao Kominform.
-
Uma política a respeito das nacionalidades oposta à “russificação”
das áreas recentemente anexadas no oeste de Ucrânia e nos Estados
bálticos, juntamente com uma política de auxílio a alguns grupos,
pelo menos, de nacionalistas na emigração. Uma reforma da política
das nacionalidades noutras áreas não-russas, incluindo a Geórgia
e Bielorússia.
-
Reabilitações e compensações para aqueles injustamente
condenados por corpos judiciais especiais (as troikas e as
"Comissões Especiais" do NKVD) durante os anos 30 e 40.
Sob Béria este processo seria muito diferente de como foi realizado
mais tarde sob Khruschev, que "reabilitou" muitos que eram
inquestionavelmente culpados.
31.
Algumas reformas de Béria foram realizadas quase completamente,
como:
-
A amnistia para um milhão de prisioneiros por crimes contra o
Estado.
-
A Conclusão da investigação do "Complô dos Médicos",
juntamente com o reconhecimento de que as acusações foram
injustas, e o consequente castigo para os funcionários do NKVD
implicados, e ainda a destituição do Comité Central de Kruglov,
antiga liderança do NKVD.
-
Limitação do poder da "Comissão Especial" do NKVD para
sentenciar pessoas à morte ou a longas penas de prisão.
-
Numa campanha não só contra o "culto" a Stalin, mas
também, contra o "culto" a qualquer líder, proibição
da exibição de retratos de líderes nos comícios. Esta, última,
disposição foi anulada por ordens do Partido pouco depois da
destituição de Béria.
Os
movimentos de Béria a prol duma reforma democrática
32.
Oficialmente, Béria foi detido pelos seus companheiros do Politburo
e por alguns generais a 26 de Junho de 1953. Mas os detalhes desta
suposta detenção são obscuros, e existem versões contraditórias.
De qualquer modo, durante a reunião do Comité Central dedicada a
acusar Béria de vários delitos, em Julho de 1953, Mikoyan afirmou:
Quando
fez a sua apresentação na Praça Vermelha sobre a sepultura do
camarada Stalin, depois do seu discurso, falei com ele: "No seu
discurso há uma parte na qual você garante a todos os cidadãos os
direitos e liberdades previstas na Constituição. Mas se, no
discurso de um simples orador não tem que haver nenhuma frase
verdadeira; o discurso de um ministro de política interior, que é
um programa de acção, deve ser cumprido". Respondeu-me: vou
cumpri-lo. (Beria 308-9; Mukhin 178)
33.
Béria disse algo que alarmou Mikoyan. Aparentemente foi o facto de,
durante a parte crucial do seu discurso na Praça Vermelha, quando
fez referência à Constituição, Béria não mencionar o Partido
Comunista, e apenas falar sobre o Governo Soviético. Béria falou
em segundo lugar, depois de Malenkov, uma demonstração pública de
que era agora o segundo no poder, no Estado soviético. O que Béria
disse foi:
"Os
trabalhadores, os camponeses das propriedades colectivas e a
intelectualidade do nosso país podem trabalhar pacificamente com
confiança, sabendo que o Governo soviético garante diligente e
incansavelmente os seus direitos, tal e como figuram na Constituição
de Stalin...A partir de agora, a política exterior do Governo
soviético será a política leninista-stalinista de manter e
reforçar a paz...” (Béria, Discurso)
34.
Mukhin sugere a possível interpretação deste parágrafo:
"As
pessoas comuns compreenderam apenas parte do sentido do que Béria
disse, mas a nomenclatura do Partido entendeu que este era um duro
golpe. Béria tinha a intenção de conduzir o país sem o Partido,
pode-se dizer, sem eles; prometeu às pessoas proteger os seus
direitos, que não os outorgava ao partido, mas sim à
Constituição!" (Mukhin, 179)
35.
Nesta mesma reunião de Junho de 1953, Khrushchev afirmou:
"Lembremos
como Rakosi (líder comunista húngaro) disse: Gostaria de saber o
que é que decide o Conselho de Ministros e que tipo de divisão
deve existir no Comité Central...Beria contestou tranquilamente:
Que Comité Central? Deixemos que o Conselho de Ministros decida e
que o Comité Central se ocupe das suas funções de quadros e
propaganda" (Béria 91).
36.
Mais tarde, nessa mesma reunião, Lazar Kaganovich notou o que foi
exposto por Khruchev:
"O
Partido para nós é o mais importante. Não se permite que ninguém
fale dele como esse despeitado (Béria), que disse: o Comité Central (para) quadros e propaganda, não para o poder político,
não para dirigir toda a vida, como nós, os bolcheviques, o
entendemos." (Béria 138)
37.
Parece que estes homens temiam que Béria tentasse destituir o
Partido do controlo directo do país. Isto era muito semelhante ao
que Stalin e os seus colaboradores quiseram fazer durante as
discussões constitucionais entre 1935 e 1937.Também aparece esta
ideia no rascunho do programa do Partido de 1947, na reestruturação
que Stalin realizou no XIX Congresso e na imediata reunião do
Comité Central.
38.
Sergei, filho de Béria, afirma que o seu pai e Stalin estiveram de
acordo na necessidade de afastar o Partido da direcção directa da
sociedade soviética.
As
relações do meu pai com os órgãos do Partido foram
complicadas...[O partido] jamais acatou as suas críticas ao
aparelho partidário. Por exemplo, disse directamente a Khruchev e
Malenkov que o aparelho do Partido corrompia as pessoas. Era
necessário anos antes, quando o Estado soviético acabava de
formar-se. Mas, o meu pai perguntava-lhes: "Quem precisa hoje
destes controlos? [Beria] tinha este tipo de conversas francas com
directores de indústrias e fábricas a quem, evidentemente, não
lhes importavam nada os inúteis do Comité Central. O meu pai era
igualmente sincero com Stalin. Joseph Vissarionovich estava de
acordo que o aparelho do Partido tirasse de si mesmo
responsabilidades em matérias concretas e não tinha nada que fazer
além de debater. Sei que um ano antes da sua morte, quando
apresentava o novo desenho do Presidium do Comité Central, Stalin
fez um discurso centrado na necessidade de encontrar novas formas de
dirigir o país, já que os velhos caminhos não eran os melhores.
Começou então uma viva discussão sobre a actividade do Partido
(Sergo Beria, Moy Otets Lavrentii Beria).
39.
A reestruturação planeada por Béria das relações entre o Estado
e o Partido, provavelmente seria muito bem acolhida pelos militantes
de base, para não falar da maioria dos cidadãos soviéticos não
militantes. Mas constituía uma grande ameaça para a nomenclatura.
40.
Mukhin explica isso assim:
"Beria
não desistiu de convencer as pessoas de que o país devia ser
governado, em todo o território, pelos Sovietes, como reconhecia a
Constituição, e que o Partido tinha que ser um órgão ideológico
que, mediante a propaganda, ajudaria a garantir que todos os
sovietes fossem comunistas. Béria propôs levar à prática o
autêntico espírito da Constituição consagrado no lema: "Todo
o poder aos Sovietes!" Ainda que Béria trabalhasse
exclusivamente na esfera ideal, podia ser desagradável para a
nomenclatura, mas não perigoso. Eles tinham o poder, podiam
seleccionar delegados para o Soviete Supremo instruídos de tal forma
que impossibilitasse que se colocasse em prática as ideias de
Béria. Mas, se Béria não permitisse aos secretários e ao Comité
Central dirigir as eleições e a sessão do Soviete Supremo, que
decisões poderiam tomar os deputados?” (Ubiystvo 363-4)
41.
Evidentemente, isto fez com que Beria colidisse com a maioria da
nomenclatura do Partido (Ubiystvo 380). Khruchev representava os
interesses deste grupo ou, pelo menos, uma parte grande e activa do
mesmo. E Khruschev tinha um conceito completamente distinto da
"democracia". O famoso director de cinema Mikhail Romm
registou as palavras de Khruchev numa reunião com intelectuais:
"Por
suposto que vos escutamos, e falamos convosco. Mas quem decidirá?
No nosso país é o povo quem tem que decidir. E quem é o povo? É
o Partido. E quem é o Partido? Nós somos o Partido. Isto significa
que nós decidiremos. Decidirei eu. Entendido?" (Alikhanov)
42.
Como Mukhin disse: "o Partido, como uma organização de
milhões de comunistas, chegava ao seu fim. O grupo de pessoas das
altas esferas converteu-se no Partido".(Mukhin, Ubiystvo 494)
Mortes
de Stalin e Béria
43.
Além das misteriosas circunstâncias da morte de Béria, existem
suficientes provas para considerar que deixaram Stálin morrer,
encontraram-o no chão do seu escritório depois de ter sido
golpeado ou, talvez, até envenenado. Não temos tempo ou espaço
para resumir esta questão aqui.
44.
Porém, não é necessário para os objectivos deste trabalho. A
enorme circulação e credibilidade destas suposições entre russos
de todo o espectro político exemplifica que muitos russos supõem
que as mortes de Stalin e Béria convinham muito à nomenclatura.
Estas provas, independentes de outras que possam indicar que foram
assassinados, demonstram que tanto Stalin como Béria queriam uma
perestroika comunista, uma "reestruturação", ainda que
política, não económica (como a que aconteceu no final dos anos
80), do poder.
45.
O resultado imediato dos fracassos de Stalin e Béria na
democratização foi a URSS ficar nas mãos dos líderes do Partido.
Não se chegou à democracia operária na URSS. A nomenclatura do
Partido continuou a monopolizar o controlo das questões-chave,
inclusive no Estado e na economia, desenvolvendo uma elite
parasitária e exploradora, com fortes semelhanças aos seus
homólogos dos países abertamente capitalistas.
46.
Realmente, este elite continua hoje no poder. Gorbachov, Ieltsin,
Putin, e o resto dos líderes da Rússia e das antigas repúblicas
soviéticas são todos antigos membros da direcção do Partido.
Durante muito tempo aproveitaram-se dos cidadãos da União
Soviética como funcionários super privilegiados. Com Gorbachov,
foram eles os que dirigiram a privatização de toda a propriedade
colectiva que pertencia à classe operária da URSS, empobrecendo
não só os trabalhadores, mas também a maioria da classe média.
Este processo foi qualificado como a maior expropriação na
história do mundo. (The Party nomenklatura destroyed the Soviet
Union. Bivens & Bernstein; O' Meara; Williamson)
47.
Para esconder o seu protagonismo nas execuções massivas dos anos
30, os seus êxitos em frustrar as tentativas democratizantes de
Stalin, os seus fracassos em colocar em prática as reformas de
Stalin e Béria – pode dizer-se, então, esconder o seu fracasso
em democratizar a União Soviética - Khruschev e os líderes do
Partido culparam Stalin de tudo, mentindo sobre a existência de
conspirações sérias na URSS dos anos 30, e escondendo o seu papel
nas execuções em massa que se seguiram.
48.
O "discurso secreto" de Khruchev foi o maior golpe contra
o movimento comunista mundial na história. Estimulou os
anti-comunistas de todo o mundo, que decidiram que agora havia um
líder comunista em quem podiam confiar. Os documentos que vieram a
público após a queda da URSS demonstraram que praticamente todas as
acusações de Khruchev contra Stalin eram falsas. Esta evidência,
da nossa sua parte, obriga-nos a investigar as verdadeiras
motivações do ataque de Khruschev a Stalin. Os investigadores
russos já demonstraram que as acusações "oficiais"
contra Béria, citadas por Khruchev e pelos seus seguidores na
direcção soviética, são falsas ou carecem absolutamente de
provas. Béria foi assassinado judicialmente por razões que os seus
executores jamais revelaram. O monte de mentiras que envolvem estes
acontecimentos fazem com que nos tenhamos que perguntar: Que
aconteceu realmente? O presente ensaio quer ser uma resposta.
Conclusão
e futura investigação
49.
Já que Stalin pensava na participação de vários partidos no seu
projecto de eleições, que tipo de democracia seria esta? As
perguntas sobre a democracia têm que começar com outra pergunta:
"Que se entende por democracia?".
50.
No mundo capitalista industrializado a "democracia"
equivale a um sistema onde os partidos políticos competem em
eleições, mas em que todos os partidos políticos são controlados
pelas elites ricas e autoritárias. Tão pouco esta "democracia"
permite mudar o sistema económico capitalista por outro
alternativo. Esta "democracia" é uma criação da classe
capitalista dirigente. Pode dizer-se, esta "democracia" é
uma "falta de democracia".
51.
Seriam possíveis eleições nas quais participam cidadãos e grupos
de cidadãos dentro dos limites que supõe aceitar o poder dirigente
da classe operária? Podem funcionar numa futura sociedade
socialista? Qual é o papel da "democracia representativa",
ou seja, das eleições, numa sociedade que busca acabar com as
classes sociais? Como esta aposta recomendada na Constituição de
1936 nunca foi levada à prática, não podemos saber quais seriam
os aspectos positivos e negativos da mesma. Marx e Engels fizeram
importantes análises sobre a natureza da democracia proletária,
baseando-se no estudo da prática da Comuna de Paris. É uma pena
que não tenhamos contado com a experiência de eleições abertas
na União Soviética na época de Stalin. Poderíamos aprender muito
sobre as debilidades e as vantagens deste sistema.
52.
Os estudos impulsionados pelo anti-comunismo seguem dando espaço ao
velho e falso, ainda que não suficientemente desacreditado,
paradigma Khrushchev/GuerraFria/Anti-stalinismo. Mas o processo de
reinterpretar a história da União Soviética à luz dos
documentos, anteriormente secretos, soviéticos começou há muito
na Rússia. Chegará logo a outras partes do mundo. Um dos
principais objectivos destes estudos é o de introduzir outras
pessoas nesta nova interpretação.
53.
Há um aspecto que surpreenderá quase todos os leitores. Através
do "culto à personalidade", a adulação à figura de
Stalin, fomos condicionados para ver em Stalin um "ditador
todo-poderoso". Esta mentira fundamental no paradigma
históricoKrushchev/Guerra Fria, feito em pedaços pelas
investigações que apresento neste ensaio, deformou fatalmente a
nossa compreensão da história soviética. De facto, Stalin nunca
foi "todo-poderoso". Foi limitado pelos esforços
combinados de outros líderes do Partido. Nunca foi capaz de atingir
o seu objectivo de reformas constitucionais. Tão pouco podia
controlar aos Primeiros Secretários e o NKVD.
54.
O "culto" apagou estas lutas políticas. As transcrições
da reunião do Comité Central demonstram que, ainda que às vezes
os líderes bolcheviques divergissem abertamente de Stalin, isso
aconteceu em raras ocasiões. As disputas políticas não eram
tratadas abertamente até serem resolvidas, mas de outras formas,
como foi o caso dos Primeiros Secretários em Julho de 1937. Outras
vezes utilizavam-se métodos policiais, interpretando o desacordo
político como uma oposição hostil.
55.
Independentemente do mecanismo de resolução das discrepâncias, o
resultado do "culto" foi um autoritarismo profundamente
anti-democrático. Stalin pareceu ser um dos poucos líderes
soviéticos a compreender isto. Ao longo da sua vida condenou o
"culto" em muitas ocasiões. Porém, nunca se deu conta da
intensidade dos danos que podia causar.
56.
As conclusões a que chegamos, quase exclusivamente sobre a base de
outras investigações, sugerem novos temas importantes para uma
investigação adicional.
Que
forma pode tomar a "democracia" numa sociedade socialista
que tem como objectivo gerar uma sociedade sem classes? Um modelo
como o previsto por Stalin na Constituição de 1936, democratizando
a União Soviética e reestaurando o papel original do Partido
Bolchevique, como uma organização de revolucionários cuja
principal função é conduzir o país ao comunismo? Ou este modelo
já incorpora aspectos capitalistas da democracia burguesa que
acelerariam, no interesse de impedi-lo, a evolução de uma URSS que
seria cara ao capitalismo?
-
Qual é o papel apropriado de um partido comunista numa sociedade
deste tipo? Quais são as formas específicas da direcção política
compatíveis com a posse do poder democrático pela classe operária?
Que formas de direcção política e económica são contrárias a
estes objectivos?
57.
Uma vez que nos perguntamos se as eleições e o governo
"representativo" bastariam para expressar os interesses
dos trabalhadores e camponeses, vemos que a Constituição de 1936,
sendo posta em prática, tão pouco seria suficiente. Isto leva-nos
a pensar que a “solução” tão pouco passa por fortalecer o
Estado e debilitar o Partido - e parece que foi isto o que pensaram
Stalin e Béria. Os marxistas imaginam que o estado pode ser
dirigido tanto por uma classe quanto por outra, mas também é
preciso antecipar se uma nova classe dirigente proveniente das
camadas superiores do Partido, ou de alguma outra parte da
sociedade, governaria e mudaria o estado para fazer este novo poder
mais efectivo. Isto sugere que a diferença entre Partido e Estado é
artificial e enganosa, e deve ser suprimida.
O
termo burocratismo, ou burocracia, ainda que aponte um problema,
cria outros. Sugiro que as questões expostas anteriormente - sobre
a democracia e o papel do partido - devem levar-nos a empregar modos
mais materialistas de pensar as relações, numa sociedade
socialista, entre a parte organizada e politicamente mais
consciente, e a menos organizada ou menos consciente politicamente,
que representa a maioria produtiva.
Os
bolcheviques geralmente, e Stalin expressamente, faziam uma grande
distinção entre preparação política e habilidade técnica ou
educação. Mas eles nunca estudaram suficientemente a contradição
entre "militante" e "técnico", como se fez
durante a Revolução Cultural chinesa. A ideia compartilhada por
quase todos os socialistas de que se poderia separar a supervisão
política do conhecimento técnico e a produção, reflecte, em
parte, a noção errada de que a ciência - a técnica – é
politicamente neutra, e de que uma produção económica eficaz já
era politicamente de esquerda ou comunista. A contradição entre
Estado-Partido é continuação desta outra contradição (entre o
militante e o técnico).
Que
significa "democracia interna" no contexto de um partido
comunista? Na URSS, muitas das forças de oposição cujos pontos de
vista foram derrotados nas Conferências e Congressos do Partido
durante os anos 20, enveredaram por um caminho de conspirações
que, no seu último fôlego, procuravam o assassinato de dirigentes
do Partido, golpes de Estado e colaborações, através de
actividades de espionagem, com as potências capitalistas inimigas.
Ao mesmo tempo, líderes regionais do Partido desenvolveram hábitos
ditatoriais que, por sua vez, os afastavam da militância do Partido
(e, por suposto, da população não-comunista, que era muito mais
numerosa), e por outro lado, garantiam privilégios materiais.
58.
As vantagens materiais dos altos cargos do Partido jogaram um
importante papel, decisivo até, no desenvolvimento do que se
conheceu como nomenclatura. Igualmente, o evidente objectivo de
Stalin de afastar o Partido do comando directo e devolvê-lo às
tarefas de "agitação e propaganda" poderia sugerir uma
tomada de consideração desta contradição por parte de Stalin e,
talvez, também, por outros dirigentes. Até que ponto as grandes
diferenças salariais eram essenciais para estimular a
industrialização na URSS? E se estas diferenças fossem
essenciais, foi um erro conceder privilégios materiais a membros do
Partido (melhor salário, melhor alojamento, casas especiais, etc.?
O contexto político em que se tomaram estas decisões, final dos
anos 20 e princípios dos 30, deve ser estudado com mais vagar. Os
debates, que ocorreram no princípio dos anos 30 e que por agora
ainda não estão disponíveis, referentes ao salário máximo dos
membros do Partido, têm que ser descobertos e estudados.
59.
Parece que Zhukov e Mukhin pensaram que a táctica, que eles
atribuem a Stalin e Béria, de afastar os líderes do Partido da
direcção do Estado, era a melhor para impedir a degeneração do
Partido. Como sugeri anteriormente, talvez a verdadeira causa da
degeneração do Partido foi a defesa dos seus privilégios, mais
que a contradição "militante-técnico".
60.
Pensava-se, por suposto, na necessidade dos incentivos materiais,
primeiro, para recrutar técnicos para edificar a base industrial da
URSS, especialistas no seu trabalho, mas burgueses, anti-comunistas
e inimigos da classe operária. Partindo deste princípio, podemos
argumentar que os altos salários foram necessários para animar os
técnicos especializados (incluindo trabalhadores especializados)
que se filiassem ao Partido Bolchevique; ou para trabalhar duro en
condições adversas, a miude perigosas para a saúde, e
sacrificando a vida familiar. Isto serviria para justificar as
desigualdades semelhantes ás do mundo capitalista.
61.
Pode dizer-se que Stalin e Béria pensaram que devolvendo o Partido
à sua função puramente política, poderiam impedir a sua
degeneração. Mas como esta estratégia nunca foi levada à
prática, não podemos saber se funcionaria. Acreditamos, contudo,
que a questão dos "incentivos materiais", ou seja, da
desigualdade económica, é fundamental. Nas conversas com Félix
Chuev, um Molotov já idoso reflecte sobre a necessidade de aumentar
o igualitarismo, preocupando-se com o futuro do socialismo na URSS,
ameaçado com o maior crescimento das desigualdades. Molotov não
via as raízes desta desigualdade nos tempos de Lênin e Stalin. De
facto, Molotov, como Stalin, era incapaz de analisar criticamente o
legado de Lenin, embora existisse a proposta de manter e ampliar
algumas desigualdades com a finalidade de estimular a produção
podemos encontrá-la em Lenin e, recuando ainda mais, em Marx na
Crítica ao Programa de Gotha.
62.
As perguntas que cada um faz reflectem inevitavelmente as
preocupações próprias, e o meu caso não é uma excepção. Penso
que a história do Partido Bolchevique durante a etapa de Stalin -
uma história adulterada pelas calúnias anti-comunistas que ainda
tem de ser escrita - tem muito que ensinar às futuras gerações.
Os activistas políticos que estudam o passado para guiar-se, ou os
investigadores com consciência política que entendem que suas
melhores contribuições para um futuro melhor passam pelo estudo
das lutas do passado, todos têm muito a aprender com a história da
União Soviética.
63.
Como marinheiros da Idade Média, com mapas mais imaginários que
reais, nós fomos enganados por histórias canónicas sobre a URSS,
a maior parte delas falsas. O processo de descobrir a história real
da primeira experiência socialista acaba de começar. Como pode
compreender qualquer leitor deste ensaio, acredito que isto é de
uma enorme importância para o futuro.
Gostei muito desse artigo. Foi como um balde de água fria na minha cabeça. Em poucos parágrafos entendi como foi desmontada a URSS. O PCUS estava no poder com sua nomenclatura, mas o povo.....oras o povo!!!! Que comam brioches!!! E deu no que deu......O capitalismo e sua sociedade sem futuro avançou para o Leste Europeu, mas o povão de lá não está muito seguro como tudo isso ainda vai acabar....
ResponderEliminar