domingo, 5 de maio de 2013

Poesia | Pablo Neruda - A Injustiça




Quem descobre o quem sou descobrirá quem és.
E o como, e o aonde.
De rompante toquei toda a injustiça.
A fome não era só fome,
mas a medida do homem.
O frio e o vento eram também medidas.
Mediu cem fomes e caiu o erguido.
Aos cem frios foi enterrado Pedro.
Um só vento durou a pobre casa.
E aprendi que o centímetro e o grama,
A colher e a língua mediam a cobiça
e que o homem assediado tombava de repente
num buraco, e já não mais sabia.
Não mais, e esse era o lugar,
o real regalo, o dom, a luz, a vida,
isso era padecer de frio e fome,
e não ter sapatos e tremer
diante do juiz, defronte a outro,
a outro ser com espada ou com tinteiro,
e assim a empurrões, cavando e cortando,
cosendo, fazendo pão, semeando trigo,
pregando cada prego que pedia madeira,
metendo-se na terra como um intestino
para arrancar, às cegas, o carvão crepitante
e, ainda mais, subindo rios e cordilheiras,
cavalgando cavalos, e movendo embarcações,
cozendo telhas, soprando vidros, lavando roupa,
de tal maneira que parecia
tudo isto o reino recém-levantado,
uva resplandecente do cacho,
quando o homem resolveu ser feliz,
e não era, não era assim. Foi descobrindo
a lei da desventura
o trono de ouro sanguinário,
a liberdade celestina,
a pátria sem abrigo
o coração ferido e fatigado,
e um rumor de mortos sem lágrimas,
secos, como pedras que caem.
E então deixei de ser menino
Porque compreendi que a meu povo
não lhe permitiram a vida
e lhe negaram a sepultura.

Pablo Neruda

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