Introdução
1. Este artigo
sublinha as tentativas de Stalin, desde os anos 30 até à sua
morte, de democratizar o governo da União Soviética.
2. Esta
afirmação, e o artigo, surpreenderá muitos, e escandalizará
alguns. De facto, fiquei surpreso perante os resultados desta
investigação, o que me levou a escrever este artigo. Suspeitei
durante muito tempo que a versão típica da "guerra fria"
da história soviética tinha importantes lacunas. Apesar disso, não
estava preparado para a magnitude das falsificações de que tive
conhecimento.
3. Esta
história é bem conhecida pelos russos, onde o respeito e também a
admiração por Stálin é comum. Yuri Zhukov, o principal
historiador russo que avançou com o paradigma de "Stalin
democrata", e cujos trabalhos são a principal fonte
individual, mas não a única, deste artigo, é uma figura
reconhecida, relacionada com a Academia de Ciências. Os seus
trabalhos são amplamente conhecidos.
4.
Porém, esta história, assim como os feitos nos quais assenta, é
virtualmente desconhecida fora de Rússia, onde o paradigma da
Guerra Fria "Stalin, o terrível" domina tanto a
bibliografia que os trabalhos aqui citados são referidos muito
raramente. Por isso, muitas das fontes utilizadas no artigo só são
acessíveis em russo.
5.
Este artigo não só informa os leitores de novos factos e das suas
interpretações sobre a história da URSS. Constitui uma tentativa
de fazer chegar aos leitores não-russos o resultado de novas
investigações, baseadas nos arquivos soviéticos, sobre o período
de Stalin e sobre o próprio Stalin. Os feitos discutidos neste
artigo são compatíveis com uma determinada linha de paradigmas
históricos soviéticos, na medida em que ajudam a desmistificar um
determinado número de interpretações. Serão inaceitáveis por
completo (inclusive escandalosos) para aqueles cujas perspectivas
políticas e históricas se baseiam em certas noções erradas,
baseadas na Guerra Fria, sobre o "totalitarismo" soviético
e o "terror" stalinista.
6.
A interpretação khrucheviana de Stalin como um ser sedento de
poder, traidor do legado de Lenin, foi uma criação necessária
para os interesses da nomenclatura do Partido Comunista nos anos 50.
No entanto, apresenta muitas semelhanças e compartilha muitas
premissas com o discurso canónico sobre Stalin herdado da Guerra
Fria, que esteve ao serviço do desejo das elites capitalistas de
apresentar as lutas pelo comunismo, ou qualquer luta da classe
operária pelo poder, como um caminho que dirige necessariamente a
algum tipo de horror.
7.
Ajusta-se também à necessidade do trotskismo de argumentar que a
derrota de Trotsky, o "revolucionário autêntico", teve
que ser obra de um ditador que é dado como certo que violou cada um
dos princípios pelos que lutou a Revolução. Khruchevistas,
anti-comunistas da Guerra Fria, e os paradigmas trotskistas sobre a
história soviética são iguais na sua dependência de uma
demonização de Stalin, de sua liderança e da URSS durante o seu
mandato.
8.
A visão sobre Stalin apresentada neste ensaio é compatível com
outros paradigmas históricos contraditórios. As interpretações
comunistas anti-revisionistas e pós-maoístas da história
soviética contemplam Stalin como um herdeiro lógico e criativo do
legado de Lenin, se bem que fracassado em certos aspectos.
Igualmente muitos nacionalistas russos, que difícilmente aprovariam
os enganos de Stalin enquanto comunista, respeitam a sua figura como
responsável por fazer da Rússia uma potência industrial e
militar. Stalin é para todos eles uma figura essencial, se bem que
a partir de uma óptica diferente.
9.
Este trabalho não tenta "reabilitar" Stalin. Estou de
acordo com Yri Zhukov quando escreve:
"Tenho que dizer,
sinceramente, que me oponho à reabilitação de Stalin, porque me
oponho ás reabilitações em geral. Nada nem ninguém deve ser
reabilitado, devemos, apenas, descobrir a verdade e dá-la a
conhecer. Porém, desde os tempos de Khruchev que as únicas vítimas
das repressões de Stalin que ouvimos falar, são aquelas que
tomaram parte nelas, ou que as facilitaram, e que não se opuseram a
elas".
Tão
pouco quero afirmar que, caso Stalin tivesse conseguido atingir
todas as metas, estariam resolvidos os muitos e variados problemas
da construção do socialismo e do comunismo.
10.
Durante o período analisado neste ensaio, a liderança de Stalin
preocupou-se não só em potencializar a democracia no governo do
estado, mas também, em favorecer a democracia interna no Partido.
Este ponto, importante e relacionado, precisa de um estudo em
separado, e não é o ponto central deste trabalho. Apesar de ser
conhecido o conceito de "democracia", este tem um
significado distinto no contexto de um partido guiado pelo
centralismo democrático, formado por membros voluntários, que no
contexto de um grande estado de cidadãos, não se podem dar por
supostas bases de consenso político.
11.
Este artigo baseou-se em fontes de primeira mão sempre que foi
possível. Ainda que se baseie com maior fundamento nos trabalhos
académicos de historiadores russos que têm acesso a documentos não
publicados, ou de mais recente publicação, dos arquivos
soviéticos. Muitos documentos soviéticos de grande importância só
estão à disposição de académicos com acesso privilegiado.
Muitos outros permanecem completamente sequestrados e
"classificados", incluídos muitos do arquivo pessoal de
Stalin, os materiais da condenação e de investigação dos
processos de Moscovo de 1936-1938, os materiais de investigação
sobre o caso Tukhachevski de 1937 e muitos outros.
12.
Yuri Zhukov descreve a situação dos arquivos da seguinte forma:
"Com
o começo da Perestroika, sendo um dos seus lemas a glasnost...o
arquivo do Kremlin, antes aberto aos investigadores, foi fechado. Os
seus conteúdos começaram a trasladar-se (para vários arquivos
públicos G.F.). Este processo começou, mas não chegou a ser
concluído. Sem publicidade ou explicação, em 1996 os materiais
mais importantes e essenciais foram reclassificados e arquivados no
arquivo do Presidente da Federação Russa. Foram prontamente
evidentes as razões desta operação: permitir o ressurgimento dos
velhos e lamentáveis mitos."
Zhukov
refere-se aos mitos "Stalin o terrível" e "Stalin o
grande líder". Só o primeiro destes mitos é familiar aos
leitores da historiografia ocidental e anti-comunista. No entanto,
as duas escolas estão bem representadas tanto na Rússia como na
Comunidade de Estados Independentes.
13.
Uma das obras de Zhukov, fonte de muito do contido neste artigo,
intitula-se Inoy
Stalin - Um Stalin diferente, "diferente" dos mitos, mais
perto da verdade, baseado nos documentos de arquivo recentemente
desclassificados. A capa do livro de Zhukov apresenta uma fotografia
de Stalin e, frente a ela, a mesma fotografia em negativo: o seu
oposto. Em poucas ocasiões Zhukov utiliza fontes de segunda mão.
Na maior parte das vezes, ele cita documentos de arquivo não
publicados, ou recentemente desclassificados e publicados. A sua
descrição da política do Politburo de 1934 a 1938 é muito
diferente de tudo o que tenha a ver com os mitos que ele rejeita.
14. Zhukov
remata a sua introdução com as seguintes palavras:
"Não
presumo ter terminado a tarefa. Tento só evitar pontos de vista
pré-concebidos, evitar os dois mitos; tentar reconstruir o passado,
uma vez muito conhecido, mas agora esquecido intencionalmente,
deliberadamente não citado, ignorado por todos".
Assim
como Zhukov, este artigo também tenta manter-se à margem dos dois
mitos.
15.
Sob estas condições qualquer conclusão tem que ter o carácter de
tentativa. Esforcei-me por utilizar sensatamente todos os materiais,
já foram de primeira ou segunda mão. Com a condição de não
interromper o texto coloquei as fontes referenciais no final de cada
parte.
16.
A investigação que este artigo resume tem importantes
consequências para aqueles de nós que queremos levar adiante uma
análise de classe da história, incluindo a história da União
Soviética.
17.
Um dos melhores investigadores do período de Stalin na URSS, J. Arch
Getty, denominou a investigação histórica realizada durante o
período da Guerra Fria como "produto propagandístico",
"investigação" que não merece nem crítica nem emenda,
tem que ser feita de novo, desde o começo. A minha opinião
coincide com a de Getty, ainda que acrescentaria que esta
investigação tendenciosa, "política" e desonesta
continua nos dias de hoje.
18.
O paradigma Guerra Fria-Khruchevista foi o ponto de vista dominante
da história dos "anos de Stalin". A presente investigação
pode dar uma luz sobre a matéria, "um princípio
desde o mesmo princípio". A verdade que surge terá também um
grande significado para o projeto marxista de compreender o mundo
para transformá-lo, da construção de uma sociedade sem classes,
uma sociedade com justiça econômica e social.
19. Na secção
final do ensaio sublinhei algumas áreas para uma posterior
investigação, apontadas pelos resultados deste artigo.
Uma nova
Constituição
20. A Dezembro
de 1930, o VIII Congresso Extraordinário dos Sovietes aprovou o
rascunho da nova constituição soviética. Convocou uma votação
secreta e eleições abertas. (Zhukov, Inoy 307-9)
21.
Admitiram-se candidatos não só do Partido Bolchevique - chamado
então Partido Comunista da União (bolchevique) - mas também dois
grupos de cidadãos baseados na zona de residência, filiação
(como grupos religiosos), ou organizações dos centros de trabalho.
Isto nunca foi levado à prática. Nunca houve eleições abertas.
22.
Os aspectos democráticos da Constituição foram incluídos ante a
expressa insistência de Stalin. Juntamente com os seus mais
chegados colaboradores no Politburo do Partido Bolchevique, Stalin
lutou para manter este projeto (Getty, "State"). Ele, e
eles, cederam apenas quando enfrentaram a rejeição total do Comité Central do
Partido, e ante o pânico que criou a descoberta de sérias
conspirações para derrocar o governo soviético com a colaboração
do fascismo alemão e japonês.
23.
Em Janeiro de 1935, o Politburo indicou o trabalho de desenhar os
conteúdos de uma nova constituição a Avel Ynukidze que, meses
mais tarde, voltou com a ideia de eleições abertas. Quase
imediatamente, a 25 de Janeiro de 1935, Stalin expressou o seu
desacordo com a proposta de Yenukidze, insistindo nas eleições
secretas (Zhukov,Inoy 116-21).
24.
Stalin tornou público este desacordo de forma muito notória em
Março de 1936, durante uma entrevista com o magnata da imprensa
americana Roy Howard. Stalin declarou que todas as votações seriam
secretas. O voto teria uma base de igualdade, tendo o mesmo valor o
voto de um camponês que o voto de um operário; uma base
territorial, como no Ocidente, assim como seria baseada no status,
como na época czarista. O voto seria directo: todos os Sovietes
serian eleitos pelos cidadãos, não por representantes indirectos.
(Stalin-Howard Interview; Zhukov, "Repressii" 5-6).
Disse
Stálin: "Adotaremos a nossa nova constituição provavelmente
no final deste ano. A comissão encarregada de redigi-la está a
trabalhar e finalizará em breve o seu trabalho. Como já se
anunciou, de acordo com a nova constituição, o sufrágio será
universal, igual, directo e secreto". (Entrevista
Stalin-Howard)
25.
E o mais importante: Stalin declarou que em todas as eleições
participariam diferentes forças políticas:
"Você
está confuso pela possibilidade de apenas um partido se apresentar
ás eleições. E não compreende como pode ter lugar uma campanha
eleitoral nestas condições. Evidentemente, os candidatos serão
apresentados não só pelo Partido Comunista, mas também por toda
classe de organizações públicas, alheias ao Partido. E temos
centenas. Não temos partidos, na medida em que não temos uma classe
capitalista em luta com uma classe trabalhadora que é explorada
pelos capitalistas. A nossa sociedade consiste exclusivamente em
trabalhadores livres do campo e da cidade; trabalhadores, camponeses
e intelectuais. Cada um destes segmentos tem os seus especiais
interesses, intereses expressos através das numerosas organizações
que existem”.
Diferentes
organizações cidadãs apresentariam candidatos que competiriam com
os candidatos do Partido Comunista. Stalin declarou a Howard que os
cidadãos marcariam os nomes de todos os candidatos ou assinalariam
aqueles em quem votassem.
26.
Também salientou a importância de eleições nas quais a
competência surgiria como forma de lutar contra a burocracia:
"Você
pode pensar que não haverá eleições. Mas, sim, haverão e vejo
campanhas muito agitadas. Não são poucas as instituições no nosso
país que funcionam mal. Dão-se casos em que este ou aquele governo
local não são quem deveria satisfazer esta ou aquela das variadas e
crescentes necessidades dos trabalhadores da cidade e do campo.
Edificou-se uma boa escola ou não? Melhoraram as condições de
vida? Você é um burocrata? Ajudou você a tornar mais eficaz o
nosso trabalho e as nossas vidas mais civilizadas? Assim serão os
critérios com que milhões de eleitores medirão as propostas dos
candidatos, rejeitarão os não aptos, suprimirão os seus nomes das
listas de candidatos e favorecerão e elegerão os melhores. Sim, as
campanhas eleitorais serão disputadas, e estarão centradas em
numerosos e agudos problemas, sobretudo de natureza prática, de
primeira importância para o povo. O nosso novo sistema eleitoral
reforçará todas as instituições e organizações, que serão
obrigadas a melhorar o seu trabalho. O sufrágio universal,
igualitário, directo e secreto será uma arma nas mãos do povo
contra os órgãos governamentais que funcionem mal. Na minha
opinião, a nova constituição soviética será a constituição
mais democrática do mundo".
27.
A partir deste ponto de vista, Stalin e os membros do Politburo mais
próximos dele, Vyacheslav Molotov e Andrei Zhdanov, apoiaram as
eleições abertas e secretas em todos os debates dentro do Partido.
(Zhukov, Inoy, 207-10; Entrevista Stalin-Howard)
28.
Stalin também insiste no facto de que muitos cidadãos soviéticos,
que foram privados dos seus direitos, agora os recuperariam. Isto
incluía membros das classes exploradoras, como os grandes
proprietários, e aqueles que lutaram contra os bolcheviques durante
a Guerra civil de 1918-1921, mais conhecidos como "guardas
brancos", assim como aqueles condenados por crimes (como hoje
nos USA). Os grupos mais importantes e provavelmente mais numerosos
entre os lishentsy (expropriados) foram dois: os
kulaks, os principais visados durante a colectivização, e os que
violaram a "lei dos três ouvidos" (roubar propriedades
estatais, assim como cereais, às vezes simplesmente para combater a
fome). (Zhukov, Inoy 187)
29. Estas
reformas eleitorais seriam desnecessárias, a não ser que a
direcção soviética quisesse mudar a forma de governo da União
Soviética. O que perseguiam era expulsar o Partido Comunista da
direcção directa da União Soviética.
30.
Durante a Revolução Russa e os críticos anos que se seguiram, a
URSS foi governada por uma hierarquia eleita de sovietes, desde o
nível local ao nacional, com os Sovietes Supremos
como órgãos legislativos, o Conselho de Comissários do Povo, como
o poder executivo, e o Secretário deste Conselho como primeira
figura do Estado. Mas na prática, em todos os níveis, a eleição
destes estava nas mãos do Partido Bolchevique. Houve eleições,
mas a nomeação directa por parte dos líderes do Partido,
denominada "cooptação" era também habitual. Inclusive
as eleições foram controladas pelo Partido, já que ninguém podia
candidatar-se sem a aprovação dos seus dirigentes.
31.
Para os bolcheviques isto era lógico. Era a forma que tornava a
ditadura do proletariado nas condições históricas específicas da
União Soviética revolucionária e pós-revolucionária. Sob a Nova
Política Económica, ou NEP, o trabalho e as capacidades dos
exploradores foram necessárias. Ainda que só quando estivessem ao
serviço da ditadura do proletariado, do socialismo. Não se deixou
que reconstruíssem as relações capitalistas além de certos
limites, nem que recuperassem poder político.
32.
Durante os anos 20 e princípios dos 30, o Partido Bolchevique
recrutou membros entre a classe trabalhadora de forma intensa. No
final dos anos 20, a maioria dos membros do Partido eram
trabalhadores e uma alta percentagem dos trabalhadores estava no
Partido. Este recrutamento massivo e os grandes projectos de educação
política coincidiram com as enormes tensões do primeiro Plano
Quinquenal, a industrialização com marchas forçadas, e a
colectivização, normalmente forçada, das propriedades individuais
(passando a constituir fazendas colectivas – kolkhoz -, ou
soviéticas - sovkhoz). A direcção bolchevique foi tão sincera na
sua tentativa de proletarizar o Partido como bem sucedida nos seus
resultados. (Rigby, 167-8;184;199)
33.
Stalin e os seus seguidores dentro do Politburo deram determinados
motivos para apoiar a sua vontade de democratizar a União
Soviética. Essas razões reforçaram a ideia dessa direcção de
que começara um novo estágio do socialismo.
34.
A maior parte dos camponeses estava em propriedades colectivas. Com a
progressiva diminuição de propriedades individuais, a direcção
soviética pensou que, objectivamente, os camponeses já não
constituíam uma classe sócio-económica independente. As
semelhanças entre camponeses e trabalhadores eram maiores que as
diferenças.
35.
Stalin argumentava que, com o rápido crescimento da indústria
colectiva e, sobretudo, com a classe operária a controlar o poder
político através do Partido Bolchevique, o termo "proletário"
já não era apropriado. "Proletariado", declarou Stalin,
define a classe trabalhadora sob a exploração capitalista, ou
trabalhando sobre relações capitalistas de produção, como as que
existiam durante os primeiros anos da União Soviética,
especialmente durante a NEP. Mas uma vez abolida a exploração
directa dos trabalhadores pelos capitalistas, a classe trabalhadora
não deveria ser chamada de "proletariado".
36.
Segundo essa análise, os exploradores do trabalho alheio já não
existiam. Os trabalhadores, que agora dirigiam o país no seu
próprio interesse através do Partido Bolchevique, já não eram o
clássico proletariado. Então, a "ditadura do proletariado"
já não era um conceito pertinente. Essas novas condições
supunham um novo tipo de estado. (Zhukov, Inoy, 231;292; Stalin,
"Draft" 800-1).
A
Luta contra a burocracia
37. Os líderes
do Partido também estavam preocupados com o papel do Partido neste
novo estágio do socialismo. Stalin enfrentou a luta contra o
"burocratismo" já desde Janeiro de 1934, no seu relatório
ao XVII Congresso do Partido. Stalin, Molotov e outros dirigentes
denominaram o novo sistema eleitoral como "arma contra a
burocratização".
38. Os líderes
do Partido controlavam o governo, tanto decidindo quem entrava nos
Sovietes como exercendo diversas formas de fiscalização sobre
eles. Molotov, dirigindo-se ao VII Congresso dos Sovietes, o 6 de
Fevereiro de 1935, afirmou que as eleições secretas "golpearão
com grande força os elementos burocráticos, propiciando-lhes um
útil toque de atenção". O informe de Yenukidze não
recomendava, nem indicava, eleições secretas nem a ampliação dos
direitos civis. (Stalin, Relatório ao XVII Congreso do P.C.;
Zhukov, Inoy 124)
39.
Os ministros e os seus colaboradores tinham que conhecer os assuntos
de que se encarregavam se queriam ser eficazes na produção. Isto
significava educação, e também conhecimentos técnicos no seu
campo. Mas os líderes do Partido fizeram aos poucos as suas
carreiras só através da ascensão aos altos escalões do Partido.
Não se precisava muito conhecimento técnico para esse tipo de
ascensão. E bem eram necessários critérios políticos. Estes
funcionários do Partido exerceram o controle, ainda
que lhes faltassem os conhecimentos práticos que, teoricamente,
lhes facilitariam uma óptima supervisão. (Stalin-Howard
Entrevista, Zhukov, Inoy, 305;Zhukov, "Represii" 6)
40.
Isto era, aparentemente, o que a direcção de Stalin entendia por
"burocratismo". Era algo visto como perigoso - no que
coincidiam todas as correntes marxistas - mas não era considerado
inevitável. Cuidaram que podia ser derrotado modificando o papel do
Partido numa sociedade socialista.
41.
O conceito de democracia que Stalin e os seus seguidores na direcção
do Partido desejavam aplicar na União Soviética incluía uma
mudança qualitativa no papel do Partido Bolchevique no seio da
sociedade. Os documentos postos à disposição dos investigadores
permitem compreender que já nos finais da década dos anos 30,
houve intentos de separar o Partido e o Estado, e de limitar o papel
do Partido na vida do país. (Zhukov, Tayny 8)
Stalin
e os seus continuaram a luta com a oposição de outros elementos no
Partido Bolchevique, com resolução, ainda que com cada vez menos
possibilidades de vitória, até à morte de Stalin em 1953. A
decisão de Lavrentii Beria de continuar esta luta talvez seja a
autêntica causa da sua morte às mãos de Khruchev e dos seus
colaboradores, se bem que de forma judicial, através de um processo
baseado em acusações inventadas em Dezembro de 1953, ou bem - como
muitas provas indicam - mediante o simples assassinato, em Junho
desse mesmo ano.
42.
O Artigo 3 da Constituição de 1936 manifesta: "Na URSS todo o
poder pertence aos trabalhadores da cidade e do campo, representado
pelos Sovietes de Deputados Operários". O Partido Comunista
menciona-se no Artigo 126 como "a vanguarda da classe operária
na luta por reforçar e desenvolver o sistema socialista, o partido
é o núcleo dirigente de todas as organizações de trabalhadores,
tanto estatais como públicas". Noutras palavras, o Partido
dirigia "organizações", mas não os órgãos
legislativos ou executivos do Estado. (Constituição de 1936;
Zhukov, Tayny 29-30)
43.
Parece que Stalin cuidou que, uma vez separado o Partido do controle
directo sobre a sociedade, o seu papel devia limitar-se à agitação
e à propaganda, e à participação na selecção de quadros. Que
significaria isto? Talvez algo como o seguinte:
-
O Partido regressaria à sua função essencial de ganhar o povo
para os ideais do comunismo.
-
Isto significaria o fim dos trabalhos cómodos, e o regresso ao
estilo de trabalho duro que caracterizou os bolcheviques durante o
Czarismo, a Revolução, a Guerra Civil, o período da NEP e a não
menos dura etapa dos planos de industrialização e colectivização.
Era algo necessário para conseguir uma base real entre as massas
(Zhukov, KP Nov. 13 02; Mukhin, Ubiytvo).
44.
Stalin insistia que os comunistas tinham que ser gente afeita ao
trabalho duro, cultos, capazes de fazer uma contribuição positiva
à produção e à criação da sociedade comunista. O próprio
Stalin foi um incansável estudioso.
45.
Resumindo, as provas indicam que Stalin considerava o novo sistema
eleitoral apropriado para cumprir os seguintes objcetivos:
-
Assegurar que a direcção da produção, e de toda a sociedade
soviética, estivessem nas mãos de gente tecnicamente preparada.
-
Deter a degeneração do Partido Bolchevique, e fazer regressar os
militantes do Partido, especialmente os seus líderes, ás suas
funções primárias: protagonizar a liderança na política e na
moral, mediante o exemplo e a persuasão do resto da sociedade.
-
Reforçar o trabalho do Partido entre as massas.
-
Granjear o apoio dos cidadãos para o governo.
-
Criar as bases para uma sociedade sem classes e comunista.
A
Derrota de Stalin
46.
Durante 1935, sob o mandato de Andrei Vyshinski, Fiscal chefe da
URSS, muitos cidadãos que foram exilados, que foram encarcerados e
- o fundamental para o nosso estudo - foram privados do direito ao
voto, recuperaram os seus direitos. Centenas de milhares de antigos
kulaks, proprietários ricos que foram vítimas da colectivização,
e aqueles que foram encarcerados ou expulsos do país por se oporem
à colectivização, foram libertados. Vyshinski criticou duramente
o NKVD (Comissariado Popular para Assuntos Internos) pela "enorme
quantidade de erros e equívocos" na deportação de quase
12.000 pessoas de Leningrado após o assassinato de Kirov em
Dezembro de 1934. Declarou que adiante o NKVD não poderia prender
ninguém sem autorização prévia do fiscal. Então, centenas de
milhares de pessoas tiveram motivos para pensar que o Estado e o
Partido foram injustos com eles. (Thurston 6-9; Zhukov, KP Nov 14.
1902 Zhukov, Inoy 187; Zhukov, "Represii" 7)
47.
Originalmente, entre as intenções de Stalin para a nova
Constituição estava a da participação de todas as forças
políticas. Declarou isso na sua entrevista com Roy Howard a 1 de
Março de 1936. Na reunião do Comité Central de Junho de 1937,
Yakovlev - um dos membros do Comité Central que, juntamente com
Stalin, mais trabalhara no desenho da nova Constituição (Zhukov,
Inoy 223) - afirmou que a ideia de eleições abertas fora feita por
Stalin. Esta sugestão encontrou uma ampla oposição por parte dos
líderes regionais do Partido, dos Primeiros Secretários, ou a
"partitocracia", como Zhukov os denominava. Após a
entrevista com Howard não teve nem mesmo sequer um apoio nominal à
declaração de Stalin sobre eleições abertas nos principais
jornais, a maioria sob o controle directo do Politburo. O Pravda
publicou um só artigo, a 10 de Março, e não mencionou o tema das
eleições.
48.
De tudo isto, Zhukov deduz:
"Isto
só podia significar uma coisa. Não só a "ampla liderança"
(os Primeiros Secretários regionais) mas também uma grande parte do
aparelho do Comité Central, não aceitou as inovações de Stalin, e
não quis aprovar, nem sequer de forma meramente nominal, as
eleições, um perigo para muitos que, como se deduzia das palavras
de Stalin que o Pravda sublinhou, ameaçava a posição e o poder dos
Primeiros Secretários, os Comités Centrais dos partidos comunistas
das nacionalidades, e os comités regionais de cidade e de outras
áreas.” (Inoy, 211)
49.
Os Primeiros Secretários mantinham os cargos, sem poder ser
expulsos em nenhuma eleição. O imenso poder de que gozavam
procedia do controle do Partido sobre cada um dos aparelhos
econômicos e estatais: kolkhoses, fábricas, educação,
exército...O novo sistema eleitoral privaria os Primeiros
Secretários da sua condição de delegados nos Sovietes, e
impediria que pudessen eleger delegados a seu gosto. Uma derrota
deles, ou dos seus "candidatos" (os candidatos do Partido)
nas eleições aos Sovietes seria uma chamada de atenção sobre o
seu trabalho. Um Secretário cujos candidatos não fizessem frente
aos candidatos não pertencentes ao Partido evidenciaria a sua fraca
ligação com as massas. Durante as campanhas, os candidatos
opositores centrariam as suas críticas em temas centrais como a
corrupção, o autoritarismo ou a incompetência dos candidatos do
Partido. Os candidatos derrotados mostrariam as suas fraquezas como
comunistas, o que conduziria provavelmente à sua remoção do posto
(Zhukov KP Nov. 13 02; Inoy 226; cf. Getty,"Excesses"
122-3)
50.
Os líderes veteranos do Partido acumulavam muitos anos de
militância, veteranos dos perigosos dias do czarismo, da Revolução,
da Guerra Civil e da colectivização, quando ser comunista
significava numerosos perigos e dificuldades. Muitos deles tinham
uma pobre formação académica. Diferente de Stalin, Kirov ou
Beria, a maior parte deles ou não tinham vontade ou não podiam
"desenvolver-se a si mesmos" através da auto-educação.
(Mukhin, Ubiystvo 37; Dimitrov 33-4; Stalin, Zastol'nye 235-6)
51.
Todos estes militantes eram desde sempre os defensores das políticas
de Stalin. Foram os que levaram adiante a dura colectivização do
campesinato, na qual centenas de milhares foram deportados. Durante
os anos 1932 e 1933, muita gente, talvez três milhões de pessoas,
morreram de fome, uma fome originada por causas naturais e não
humanas que fez ainda mais dura a expropriação e a colectivização
do cereal para o campesinato, ou morreram nos levantes armados dos
camponeses (que também causaram muitas vítimas entre os
bolcheviques). Estes líderes do Partido estiveram de acordo com a
industrialização acelerada, que se deu em pobres condições de
vida (poucos alimentos, péssimas casas, paupérrimos cuidados
médicos, salários baixos, etc.).
52.
Agora, as eleições nas que podiam participar aqueles que até esse
momento estavam privados do direito ao voto por terem combatido as
políticas soviéticas, era provável que muitos militantes
veteranos temessem que estes novos eleitores votassem contra os seus
candidatos ou qualquer outro candidato bolchevique. A derrota dos
seus candidatos punha em perigo o poder e os privilégios com que
contavam. (Zhukov, KP Nov. 13 02; 1936 Const., Ch. X; cf. Getty,
"Excesses" 125, sobre a importância do sentimento
religioso no país)
Julgamentos,
Conspirações, Repressão
53.
Os planos para a nova Constituição e as eleições foram
discutidos na reunião do Comité Central de Junho de 1936. Os
delegados aprovaram por unanimidade o rascunho constitucional. Mas
ninguém disse nada em prol do mesmo. Este fracasso em dar ao menos
um apoio ritual a uma proposta de Stalin indicava certamente uma
"oposição latente da direcção ampliada", uma "evidente
falta de compromisso" (Zhukov, Inoy 232, 236; "Repressii"
10-11)
54.
Durante o VIII Congresso dos Sovietes de toda Rússia, nos meses de
Novembro e Dezembro de 1936, Stalin e Molotov insistiram de novo na
importância de ampliar o direito ao voto e de eleições secretas e
abertas. Na linha do espírito da entrevista de Stalin com Howard,
Molotov sentiu os efeitos benéficos, para o Partido, de permitir
candidatos não comunistas aos Sovietes:
"Este
sistema...não pode fazer outras coisas que golpear a quem se move no
burocratismo, facilitando a promoção de novas forças...tem que se
potencializar para mudar os elementos mais atrasados ou
burocratizados. Sob essa nova forma de eleições, é possível a
eleição de elementos inimigos. Mas também este perigo, em última
instância, tem que ajudar-nos, já que servirá de chicote para
aquelas organizações que o precisem, e para os trabalhadores (do
Partido) que ficaram adormecidos." (Zhukov, "Repressii"
15)
55.
O próprio Stalin foi mais além:
"Alguns
dizem que isto é perigoso, já que os elementos hostis ao poder
soviético poderiam chegar aos níveis mais altos, alguns dos antigos
guardas brancos, kulaks, sacerdotes, etc. Mas, que há a temer? Se
tens medo dos lobos, não caminhes no bosque. Por um lado, nem todos
os antigos kulaks, guardas brancos e padres são hostis ao poder
soviético. Por outro, se o povo se deixa levar ali ou aqui por
forças hostis, isto significará que o nosso trabalho de agitação
está pobremente organizado, e que merecemos esta desgraça.”
(Zhukov,Inoy 293; Stalin, "Draft")
56.
Novamente, os primeiros secretários demonstraram uma tácita
hostilidade. A reunião do Comité Central de Dezembro de 1936,
cujas sessões coincidiram com as do Congresso, reuniu-se o 4 de
Dezembro. Mas não houve nenhuma discussão do primeiro ponto da
ordem do dia, o rascunho da Constituição. O relatório de Yezhov,
"Sobre as organizações anti-soviéticas de direita e
trotskistas" estava muito mais perto das preocupações dos
membros do Comitê Central. ("Fragmenty” 4-5; Zhukov, Inoy
310-11)
57.
A 5 de Dezembro de 1936 o Congresso aprovou o rascunho da nova
Constituição, ainda que não tenha ocorrido realmente discussão.
Contra essa discussão, os delegados (líderes do Partido)
enfatizaram as ameaças dos inimigos exteriores e interiores. Mais
que discursos de aprovação da Constituição, (tema principal
sobre o qual tratou Stalin) os delegados Molotov, Zhdanov, Litvinov
e Vyshinsky ignoraram virtualmente o tema da Constituição.
Nomeou-se uma comissão para o posterior estudo do rascunho
constitucional, sem decidir nada sobre as eleições abertas.
(Zhukov, Inoy 294; 298; 309)
58.
A situação era efectivamente muito tensa. A vitória dos fascistas
na Guerra Civil do Estado espanhol era só uma questão de tempo. A
União Soviética estava rodeada por potências hostis. Na segunda
metade da década dos anos 30, absolutamente todos esses países
eram regimes abertamente autoritários, militaristas,
anti-comunistas e anti-soviéticos. Em Outubro de 1936, a Finlândia
disparou contra a fronteira soviética. Nesse mesmo mês nasce o
eixo Berlim-Roma, entre Hitler e Mussolini. Um mês mais tarde, o
Japão une as suas forças à Alemanha nazi e à Itália fascista
para formar o Pacto Anti-Komintern. Os esforços soviéticos para
formar alianças militares contra a Alemanha nazi encontrou rejeição
nas capitais ocidentais. (Zhukov, Inoy 285-309)
59.
Na época em que o Congresso tratava da nova Constituição, tiveram
lugar os dois principais julgamentos de Moscovo. Zinoviev e Kamenev
foram julgados juntamente com outros em Agosto de 1936. O segundo
julgamento, em Janeiro de 1937, afectava alguns dos principais
seguidores de Trotsky, dirigidos por Yuri Piatakov, que até à bem
pouco fora o Comissário Delegado de Indústria Pesada.
60.
A reunião do Comitê Central de Fevereiro-Março de 1937 trouxe
prontamente as contradições dentro da direcção do Partido: a
luta contra os inimigos internos, e a necessidade de preparar
eleições abertas e secretas sob a nova Constituição para o final
do ano. A descoberta paulatina de mais e mais grupos que conspiravam
para derrubar o governo soviético produziu um aumento da vigilância
interna. Mas a preparação de eleições autenticamente
democráticas, e o aperfeiçoamento na democracia interior do
Partido (tema continuamente apoiado pelos mais próximos de Stalin
dentro do Politburo) requeria precisamente o contrário: impulso à
crítica e à autocrítica, eleições secretas dos líderes do
Partido e acabar com a "cooptação" por parte dos
Primeiros Secretários.
61.
Essa reunião, a mais longa na história da URSS, prolongou-se por
duas semanas. Mas nada disto soubemos até 1992, quando a volumosa
transcrição dessa reunião começou a ser publicada no Voprosy
Istorri,
publicação que se prolongou durante quatro anos.
62. O relatório
de Yezhov para continuar as investigações sobre as conspirações
no país foi posto na sombra por Nikolai Bukharin, que, através de
eloquentes confissões de passadas deslealdades, tentava
distanciar-se dos seus antigos aliados, assegurando o seu
compromisso com o governo soviético, mas que só lhe valeu para
culpar-se a si mesmo posteriormente. (Thurston, 40-42; Getty e
Naumov confirmam este ponto. 563)
63.
Três dias depois, Zhadanov falou da necessidade duma maior
democracia tanto no país como no Partido, invocando a luta contra a
burocracia e a necessidade de laços mais fortes com as massas.
"O
novo sistema eleitoral dará um poderoso impulso para o
aperfeiçoamento do trabalho dos organismos soviéticos, a
liquidação de instituições burocráticas, a eliminação de
defeitos burocráticos e a deformação no trabalho das organizações
soviéticas. Esses defeitos, como você sabe, são muito
importantes. Os organismos do nosso Partido devem estar preparados
para a luta eleitoral. Nas eleições teremos que contar com a
agitação dos inimigos e com candidatos inimigos." (Zhukov,
Inoy 343)
64.
Não há dúvida que, como porta-voz da direcção estalinista,
previa disputas eleitorais com candidatos não pertencentes ao
Partido e opostos aos processos que se davam na União Soviética.
Só este facto já derruba as versões da Guerra Fria e as
explicações khruchevistas.
65.
Zhdanov também repetiu durante longo tempo a necessidade de
desenvolver normas democráticas dentro do mesmo partido
bolchevique.
"Se
queremos o respeito dos trabalhadores soviéticos e do Partido às
nossas leis, das massas à Constituição soviética, temos que
garantir a renovação do Partido sobre a base do estabelecimento
das bases da democracia interna, como se reflecte nos regulamentos
do nosso Partido."
"Enumero a
continuação das medidas essenciais, já contidas no projeto de
resolução do seu relatório: a eliminação da cooptação, a
proibição das votações abertas; garantir o direito ilimitado dos
membros do Partido a afastar os candidatos eleitos e o direito
ilimitado para criticar estes candidatos". (Zhukov, Inoy 345)
66. O relatório
de Zhdanov perdeu-se, porém, entre as discussões de outros pontos
da ordem do dia, principalmente discussões sobre os "inimigos".
Certo número de Primeiros Secretários ficou alarmado com o facto
de alguns dos candidatos que se preparavam ou se supunha que se
preparavam para as eleições soviéticas eram contrários ao poder
soviético: sociais-revolucionários, padres e outros "inimigos".
67. Molotov
replicou ressaltando, mais uma vez, "o desenvolvimento e o
reforço da autocrítica", opondo-se directamente à "procura
de inimigos":
"Não faz
sentido procurar culpados, camaradas. Se quiseres, todos somos
culpados, começando nos órgãos centrais do Partido e acabando nas
organizações de base". (Zhukov, Inoy 349)
68.
Mas as posteriores intervenções ignoraram o seu relatório,
teimando na procura de "inimigos", na denúncia de
"saboteadores", e a luta contra a "sabotagem".
Na seguinte intervenção de Molotov, este fala da falta de atenção
dada, fundamentalmente, à sua intervenção, que voltou a repetir,
após resumir o que se estava a fazer contra os inimigos internos.
69.
O discurso de Stalin de 3 de Março envolvia realçar a necessidade
de melhorar o trabalho do Partido, suprimindo os incapazes, buscando
novos camaradas. Como o de Molotov, o discurso de Stalin foi
virtualmente ignorado.
"Desde
o começo das discussões, os temores de Stalin foram
compreensíveis. Parecia estar isolado por uma parede surda de
incompreensão, de má vontade dos membros do Comitê Central que
ouviram do relatório somente o que queriam ouvir, e discutiram só
o que queriam discutir. Das 24 pessoas que participaram nas
discussões, 15 falaram principalmente sobre os "inimigos do
povo", ou seja, pode-se dizer, os trotskistas. Falaram com
convicção, com agressividade, como o fizeram antes os relatórios
de Zhdanov e Molotov. Reduziram todos os problemas a um: a
necessária busca de "inimigos". E ninguém retomou o
principal ponto de Stalin, sobre o mau funcionamento do trabalho nas
organizações do Partido e a preparação para as eleições do
Soviete Supremo." (Zhukov, Inoy, 357)
71.
No seu discurso final do 5 de Março, último dia da reunião,
Stalin minimizou a necessidade de procurar inimigos, inclusive
trotskistas, muitos dos quais, segundo afirmou, regressaram ao
Partido. O seu ponto principal foi a necessidade de impedir os
funcionários do Partido de dirigir todos e cada um dos aspectos
econômicos, combater a burocracia e elevar o nível político.
Pode-se dizer, Stalin apostou em elevar o nível de crítica aos
Secretários.
"Alguns
camaradas pensam que sendo eles Comissários Populares, sabem tudo
que há a saber. Cuidam que o posto, por si mesmo, garante grandes e
infinitos conhecimentos. Ou bem pensam: "se sou um membro do
Comitê Central, não o sou por acidente, já que logo, significa que
sei tudo". Isso não é assim.” (Stalin,
Zakliuchitel'noe;Zhukov, Inoy 360-1)
72. Algo que
soava ameaçador para todos os dirigentes do Partido, incluindo os
Primeiros Secretários, foi a afirmação de Stalin de que deveriam
eleger dois quadros para substituí-los para que participassem do
curso de educação política que ocorreria durante seis meses. Esta
substituição era perigosa para os Secretários do Partido, que
temiam que durante esse espaço de tempo fossem destinados a outros
lugares, quebrando desta forma a estrutura do seu "clã"
(outros dirigentes ao seu serviço), uma das primeiras causas da
burocracia. (Zhukov, Inoy 362)
73. Thurston
define o discurso de Stalin como "notavelmente suave",
defendendo "a necessidade de aprender das massas, e de
emprestar atenção ás críticas de baixo". Inclusive a
resolução no relatório de Stalin tocava só superficialmente o
tema dos "inimigos", tratando principalmente dos erros na
organização do Partido e na sua direcção. Segundo Zhukov, que
menciona esta resolução não publicada, nem um só dos seus 25
pontos estava relacionado principalmente com os "inimigos".
(Thurston, 48-9;Zhukov, Inoy 362-4)
74.
Após a reunião, os Primeiros Secretários protagonizaram
virtualmente uma rebelião. Primeiro Stalin, e depois o Politburo,
emitiram mensagens lembrando a necessidade de efectuar votações
secretas no seio do Partido, opor-se à conduta de cooptação
favorecendo as eleições, e a necessidade de generalizar a
democracia interna no Partido. Os Primeiros Secretários continuaram
a fazer as coisas como antes, independentemente das resoluções da
reunião.
75.
Nos meses seguintes, Stalin e os seus colaboradores mais chegados
tentaram que o problema dos "inimigos" não fosse a
principal preocupação dos membros do Comité Central, insistindo
na luta contra a burocracia no Partido, e em preparar as eleições
ao Soviete. Entretanto "os líderes locais do Partido fizeram
tudo o que a disciplina do Partido lhes permitia, e ás vezes um
pouco mais, para suspender ou retardar as eleições". (Getty,
"Excesses" 126; Zhukov, Inoy 367-71)
76.
A repentina descoberta, em Abril, Maio e primeiros dias de Junho de
1937, do que aparentemente era um amplo complô militar e policial
fez crescer o pânico no governo de Stalin. Genrikh Yagoda, director
de segurança e Ministro de Interior, foi preso no final de Março
de 1937, começando as confissões em Abril. Em Maio e princípios
de 1937, militares de alta patente confessaram a sua conspiração
com o comando alemão para derrotar o Exército Vermelho no caso
duma invasão por parte da Alemanha e dos seus aliados. Também
confessou as suas relações de natureza conspirativa com políticos,
incluindo muitos que ocupavam posições destacadas. (Getty,
"Excesses" 115, 135; Thurston, 70, 90, 101-2; Genrikh I
Agoda)
77.
Esta situação era muito mais séria que todas as anteriores.
Durante os julgamentos de Moscovo de 1936 e 1937, o governo
concentrou todo o seu tempo a preparar os processos e a organizar
julgamentos públicos, dotando-os de uma máxima publicidade. Mas
esta conspiração militar foi tratada de uma forma muito diferente.
Pouco mais de três semanas tinham passado, desde a data de detenção
de Mikhail Tukhachevsky, finais de Maio, até ao julgamento e
execução deste e de outros sete militares de alta patente nos dias
11 e 12 de Junho. Durante este período, centenas de milhares de
comandos militares foram convocados para Moscovo para escutar as
provas contra os seus colegas - os seus superiores, para a maior
parte deles - e para escutar as alarmantes análises de Stalin e do
marechal Voroshilov, Comissário do Povo para a Defesa, o militar de
maior graduação no país.
78.
Nas datas da reunião, Fevereiro e Março, nem Yagoda nem
Tukhachevsky tinham sido ainda presos. Stalin e o Politburo tinham
como objectivo que a Constituição fosse o principal ponto da
agenda, colocando-se à defensiva ante o facto de que a maioria dos
integrantes do Comité Central, ignorando este ponto, insistiram na
batalha contra os "inimigos". O Politburo planeou que as
reformas constitucionais fossem também o ponto essencial da reunião
seguinte a celebrar em Junho de 1937. Mas a situação em Junho era
muito diferente. A descoberta de complôs na direcção do NKVD e
entre muitos destacados líderes militares para derrubar o governo e
matar os seus dirigentes, mudou totalmente o clima político.
79.
Stalin foi colocado na defensiva. No seu discurso de 2 de Junho à
sessão ampliada do Soviete do Exército (reunido de 1 a 4 de
Junho), descreveu as conspirações recentemente descobertas como
"limitadas", e encerradas com grande êxito. Também, na
reunião de Fevereiro-Março, ele e os seus apoiantes no Politburo
minimizaram as amplificadas preocupações dos Primeiros Secretários
sobre os "inimigos internos". Mas, como sublinha Zhukov, a
situação "lenta, ia escapando decisivamente das suas mãos
(de Stalin)". (Stalin, "Vystuplenie"; Zhukov, Inoy
Ch. 16, passim; 411)
80.
A reunião do Comité Central de Junho de 1937 começou com as
propostas de reprovação, em primeiro lugar, de sete membros do
Comité Central e candidatos por "falta de confiança
política", e depois com as de mais 19 por "traição e
actividades contra-revolucionárias". Estes 19 foram presos pelo
NKVD. Outros dez membros do Comité Central foram expulsos por
acusações da mesma natureza.
81.
Yakovlev e Molotov criticaram o fracasso dos dirigentes do Partido
em organizar eleições independentes nos Sovietes. Molotov defendeu
inclusive a medida de afastar do caminho os revolucionários que
evidentemente não estavam preparados para as tarefas do momento.
Insistiu que os dirigentes dos Sovietes não eram "trabalhadores
de segunda categoria". Evidentemente, os dirigentes do Partido
estavam a tratá-los desse modo.
82.
Yakovlev argumentou e criticou o fracasso dos Primeiros Secretários
na hora de realizar eleições secretas para os postos do Partido,
apoiando-se, por estar contra, as nomeações ("cooptação").
Destacou a necessidade de que os membros do Partido eleitos nos
Sovietes não estivessem ás ordens de grupos do Partido, fora dos
Sovietes, que condicionavam as suas posições. Que o seu voto não
fosse o assinalado pelos seus superiores no Partido, como os
Primeiros Secretários. Tinham que ser independentes. Yakovlev
utilizou os termos mais duros para se referir à necessidade de
"colocar a mão na mais rica reserva dos novos quadros para
substituir aqueles corrompidos ou burocratizados". Todas estas
afirmações constituem um ataque explícito aos Primeiros
Secretários. (Zhukov, Inoy 424-7; Tayny, 39-40, citando documentos
de arquivo)
83.
A Constituição foi finalmente concluída, fixando-se o 12 de
Dezembro de 1937 como data das primeiras eleições. Os dirigentes
chegados a Stalin argumentaram, mais uma vez, as vantagens da luta
contra a burocracia e de criar laços com as massas. Porém, tudo
isto foi posterior à expulsão sumária e sem precedentes dos 26
membros do Comité Central da que falamos no ponto 80. (Zhukov, Inoy
430)
84.
Talvez o mais revelador seja a seguinte observação de Stalin,
comentada por Zhukov:
"Concluindo
as discussões, quando o tema era a procura de um método mais
confiável para a recontagem dos votos, (Stalin) comentou que no
Ocidente, graças a um sistema multi-partidário, este problema não
existia. Imediatamente depois, murmurou uma frase bastante rara para
um encontro desse tipo: "Nós não temos partidos políticos
diferentes. Afortunada ou desafortunadamente temos só um partido."
(Sublinhado por Zhukov) Para passar a propor, ainda que só
provisoriamente, utilizar para essa recontagem e supervisão de
membros de todas as organizações sociais existentes, menos as do
Partido Bolchevique...O desafio à autocracia do Partido estava
sobre a mesa" (Zhukov,Inoy 430-1; Tayny 3)
85.
O Partido Bolchevique padecia de uma grave crise, sendo impossível
pensar que as coisas se desenvolveriam com suavidade. Era a pior
situação possível para organizar eleições democráticas
(secretas, universais, abertas). A ideia de Stalin de reformar o
governo soviético e o papel do Partido Bolchevique nessa mesma
reforma estava condenada.
86.
Concluindo essa reunião, Robert Eikhe, Primeiro Secretário da
região do Krai, no oeste siberiano, falou em particular com Stalin,
como também o fizeram outros Primeiros Secretários. Provavelmente,
solicitaram os poderes que pouco depois obtiveram: a autorização
para formar troikas, grupos de três dirigentes organizados para
combater a possibilidade de conspirações contra o governo
soviético nas suas regiões. (Estas troikas receberam o poder de
execução sem apelação. Impuseram-se limites no número de
executados e prisioneiros baseando-se no poder destas troikas.
Quando estes limites foram esgotados, os Primeiros Secretários
solicitaram limites superiores, petição que foi concedida. Zhukov
pensa que Eihke podia estar a representar um grupo informal de
Primeiros Secretários (Getty, "Excesses" 129;Zhukov, Inoy
435).
87.
Quem foram os visados desses draconianos julgamentos por parte
destas troikas? Zhukov pensa que foram os lishentsy,
aqueles cujos direitos de cidadania, incluindo o direito a voto,
foram recentemente restaurados, e que sopunhan potencialmente o
maior perigo para a continuidade no poder dos Primeiros Secretários.
Zhukov descarta totalmente a existência de conspirações reais.
Mas os documentos de arquivo recentemente publicados evidenciam que,
no mínimo, a direcção central estava continuamente a receber
relatórios de conspirações, incluindo transcrições de
confissões. Stalin e outros, certamente, acreditaram nestas
conspirações. A minha opinião é que pelo menos algumas das
conspirações foram reais, e que os Primeiros Secretários
acreditaram nelas. (Zhukov, KP Nov. 13 02; Inoy, Ch. 18; "Repressii"
23;Lubianka B)
88. Outra
hipótese é a de que qualquer um que estivesse relacionado com
qualquer tipo de movimento opositor era impiedosamente visto como
"inimigo", e sujeito a detenção e interrogatório por
parte do NKVD, que tinham sempre um membro como parte da troika.
Outro grupo eram aqueles que expressaram abertamente desconfiança
ou ódio no que diz respeito ao sistema soviético em conjunto.
Thurston cita provas de que estes indivíduos eram imediatamente
presos. Porém, aqueles que manifestavam críticas aos líderes
locais do Partido não eram molestados, enquanto os criticados,
incluindo membros do Partido, às vezes, sim, eram presos.
(Thurston, 94-5)
89. Portanto,
contra aqueles que argumentam que as conspirações foram ilusões
na mente paranoica de Stalin ou, ainda pior, mentiras destinadas a
reforçar a sua obsessão megalômana pelo poder, existem provas
abundantes que demonstram a existência de conspirações reais. Os
relatos dos conspiradores que conseguiram sair mais tarde da URRS
confirmam isto. A numerosa documentação policial sobre estas
conspirações, muito pouco publicada, é um poderoso argumento
contra a teoria de que tudo foi uma montagem. E mais, as anotações
de Stalin nestes documentos reafirmam o facto de que pensava que
eram certas. (Getty, "Excesses" 131-4; LubiankaB)
90. Getty
resume esta contradição da seguinte maneira:
“Stalin
ainda não era partidário de retirar as eleições, e em 2 de Julho
de 1937 o Pravda
desautorizou
claramente os secretários regionais publicando o primeiro decreto
das novas regras eleitorais, animando e apoiando as eleições
secretas e universais. Mas Stalin lançou um compromisso. No mesmo
dia que se publicou a lei eleitoral, o Politburo aprovou uma
campanha massiva contra, precisamente, os elementos de que se
queixaram os líderes locais, e horas mais tarde, Stalin enviou um
telegrama aos líderes internos do Partido ordenando a Operação
Kulak (contra
os lishentsy,
G.F.). É difícil evitar a conclusão de que ao contrário de
obrigar os líderes locais do Partido a participar nas eleições,
Stalin decidiu ajudá-los a ganhar dando-lhes licença para eliminar
ou deportar centenas de milhares de "elementos perigosos".
("Excesses" 126)
91.
Independentemente de qual fosse a história destes expurgos,
execuções extra-judiciais e deportações, parece que Stalin
pensava que se estavam a criar as condições para as eleições
livres e abertas. Porém, estas acções minaram qualquer
possibilidade de eleições de qualquer tipo.
92.
O Politburo tentou num primeiro momento limitar a campanha de
repressão ordenando que parasse dentro de cinco dias. Ainda não
sabemos a razão, se foi por convencimento ou por ver-se obrigados,
o certo é que o NKVD teve permissão para ampliar este período em
quatro meses, de Agosto a Dezembro. Foi pelo alto número de
detidos? Pelo convencimento da existência de numerosas conspirações
que constituíam uma grande ameaça interna? Não conhecemos os
detalhes dessa repressão massiva.
93.
Este era precisamente o período no qual ia ter lugar a campanha
eleitoral. O Politburo continuou a organizar estas eleições,
regulamentando o sistema de votação e informando os funcionários
como tinham que agir, os chefes locais controlavam a repressão.
Assim, estes podiam determinar que oposição ao Partido (a eles
mesmos) se podia considerar "leal" e qual era merecedora
de repressão. (Getty,"Excesses," passim.; Zhukov, Inoy
435)
94.
Existem documentos originais que demonstram que Stalin e seu grupo no
Politburo estavam convencidos que os conspiradores anti-soviéticos
estavam activos, e que tinham de enfrentá-los. Isto foi o que
afirmaram os líderes regionais do Partido durante a reunião de
Fevereiro-Março. Nestas datas, a direcção de Stalin minimizava o
perigo, e mantinha a atenção na Constituição, na necessidade de
preparar eleições e a troca da burocratizada e velha liderança
por outra formada por novos líderes.
95.
Para a reunião de Junho, os secretários regionais estavam numa
posição em que podiam dizer: "Estava avisado. Tínhamos
razão, e ainda a temos; há perigosos conspiradores activos,
prontos para utilizar a campanha eleitoral com o propósito de
provocar revoltas contra o governo soviético". Foi assim que
sucederam as coisas? Parece possível, mas não podemos estar
seguros.
96.
Stalin e a direcção central não conheciam a extensão destas
conspirações. Não sabiam o que podiam fazer os nazis alemães e
os fascistas japoneses. No dia 2 de Junho, no Encontro ampliado do
Soviete Militar, Stalin afirmou que o grupo de Tukhachevsky
entregara ao Alto Comando alemão os planos operacionais do Exército
Vermelho. Isto significava que os japoneses, unidos por uma aliança
militar (o Eixo) e uma aliança política anti-comunista (o Pacto
Anti-Komintern na realidade, era um pacto anti-soviético) com a
Itália fascista e a Alemanha nazi, também os teriam.
97.
Stalin disse aos líderes militares que os conspiradores queriam
converter a URSS noutro Estado espanhol, ou seja, numa Quinta Coluna
coordenada com um exército fascista invasor. Dado este terrível
perigo, a direcção soviética estava decidida a reagir com uma
determinação brutal. (Stalin, "Vystuplenie")
98.
Ao mesmo tempo, muitas provas apontam que o comando central (Stalin)
queria reduzir a repressão das troikas
impulsionada
pelos Secretários regionais e continuar a integrar as eleições na
nova Constituição. De 5 ao 11 de Julho a maioria dos Secretários
copiou a iniciativa de Eikhe de comunicar cifras precisas dos
presos, mediante execução (categoria 1) ou encarceramento
(categoria 2). De início, em 12 de Junho, o Comissário delegado do
NKVD, Frinovskii, enviou um telegrama urgente a todas
as oficinas da polícia local: "Não iniciem operações de
repressão contra antigos kulaks, Repito, não as iniciem".
(Getty, "Excesses" 127)
99.
Depois dos chefes locais do NKVD serem chamados a Moscovo para
conversar, foi emitida a ordem número 447. Esta longa e detalhada
instrução ampliava o campo de repressão (basicamente padres com
histórico de oposição ao sistema soviético e criminosos), ainda
que, de modo geral "diminuía os limites e as cifras requeridas
pelos secretários das províncias". Todas estas hesitações
fazem pensar em desacordos e lutas entre o "centro" -
Stalin e o seu grupo no Politburo - e os Secretários das
províncias. Não há dúvida que Stalin não tinha o comando (Order
No. 00447; Getty, "Excesses" 126-9).
100.
O plenário do Comité Central de Outubro de 1937 foi o da suspensão
definitiva do projecto para umas eleições abertas. Um modelo de
candidaturas, com diversos candidatos, fora já desenhada.
Conservam-se bastantes em diferentes arquivos. Como substituição
estabeleceu-se que, para as eleições aos Sovietes de Dezembro de
1937, os candidatos do Partido compartilhavam as listas com uma
percentagem de candidatos alheios ao Partido de entre os 20 e os
25%. Zhukov encontrou nos arquivos o documento original em que
Molotov, a 11 de Outubro às seis da tarde, cancelava as eleições
abertas. Isto representou uma derrota para Stalin e seus seguidores
no Politburo (Zhukov, KP 19 Nov. 02; Zhukov, Tayny. 41; Inoy 443).
101.
Foi também no Plenário do Comité Central que se pronunciou o
primeiro protesto contra a repressão massiva, por parte do Primeiro
Secretário de Kursk, Peskarov:
"Eles
(o NKVD?, as troikas? G.F.) condenam pessoas por
minúcias...ilegalmente, e quando nós levamos a questão ao Comité Central, recebemos o decidido apoio dos camaradas Stalin e Molotov,
que enviaram uma brigada de funcionários da Corte Suprema e da
Oficina do Fiscal para fiscalizar estes casos...após três semanas
de trabalho desta brigada, o resultado foi que 56% destas sentenças
em 16 regiões foram consideradas ilegais. Ainda mais, em 45% destas
sentenças não existiram provas de que se cometera algum delito".
(Zhukov, Tayny, 43)
102.
Na reunião de Janeiro de 1938, Makenkov apresentou uma forte crítica
da grande quantidade de membros do Partido expulsos e de cidadãos
julgados, na maior parte inclusive sem proporcionar listas de nomes,
somente indicando o número de expulsos. Postyshev, Primeiro
Secretário de Kuybyshev, foi eliminado como candidato ao Politburo
por dizer que "não havia nenhum elemento honrado" entre
todos os funcionários do Partido.
103.
Parece que o NKVD funcionava de forma independente, pelo menos em
algumas zonas. Sem dúvida, os Primeiros Secretários também faziam
assim. (Zhukov, KP 19 Nov. 02; Tayny, pp. 47-51; Thurston 101-2; 112)
Porém, a preocupação dos líderes do Politburo era a existência
de conspiradores. A magnitude dos abusos do NKVD não foi
reconhecida. Como indica Zhukov, o relatório de Malenkov (culpando
os oportunistas no interior do Partido pelas expulsões massivas e
detenções) foi continuado por Kaganovich e Zhadanov, que seguiram
insistindo na luta contra os inimigos e prestaram apenas uma ligeira
atenção à "ingenuidade e ignorância" do trabalho dos
"bolcheviques honrados".
104.
O Pravda,
sob controlo dos seguidores de Stalin, fazia ainda avisos para
afastar o Partido da direcção directa dos assuntos econômicos, e a
necessidade de promover os não-militantes aos postos de liderança.
(Zhukov, Tayny 51-2) Enquanto Nikita Khrushev, que em 1937 exigira
autorização para poder executar 20.000 pessoas quando era
responsável do Partido em Moscovo, foi enviado para a Ucrânia,
onde, no prazo de um mês, reclamou poderes para reprimir 30.000
pessoas. (Zhukov, Tayny 64, ver n.23)
105. Parece que
Nicolai Yezhov, substituto de Genrikh Yagoda em 1936 no comando do
NKVD, estava estreitamente relacionado com os Primeiros Secretários.
A massiva repressão dos anos 1937-1938 esteve tão ligada ao seu
nome que ainda se conhece como a "Yezhovshchina". Yezhov
deixou o seu posto a 23 de Setembro de 1938, sendo substituído em
Novembro desse ano por Lavrentii Beria.
106.
Sob o comando de Béria, muitas das chefias do NKVD e Primeiros
Secretários responsáveis por milhares de execuções e deportações
foram julgados, e muitos deles executados por levar à morte gente
inocente e fazer uso da tortura contra os detidos. As transcrições
dos julgamentos de alguns dos funcionários policiais que utilizaram
a tortura foram publicadas. Numerosos presos e acusados, deportados
ou enviados aos campos de trabalho foram libertados. O próprio Béria
manifestou que a sua missão era "acabar com a Yezhovshchina".
Stalin disse ao engenheiro aeronáutico
Yakovlev que Yezohv foi executado por assassinar milhares de
inocentes. (Lubianka B, Nos. 344; 363; 375; Mukhin, Ubiystvo 637;
Yakovlev)
107.
Foi feito um incalculável dano à sociedade soviética, ao governo
soviético e ao Partido Bolchevique. Há muito tempo que sabemos
isto, evidentemente. O que não sabia-mos até agora é que a
implantação das troikas e as cotas de execuções e deportações
se deviam à insistência dos Primeiros Secretários, e não a
Stalin. Zhukov pensa que a estreita relação entre isto e a ameaça
de eleições abertas, e o facto do Comité Central conseguira forçar
a direcção de Stalin e os seus colaboradores a cancelar essas
eleições, indica que a forma de evitar essa "ameaça
eleitoral" foram as detenções massivas e as execuções da
"Yezhovshchina". (Zhukov, KP)
108.
Ninguém pode absolver Stalin e os que o apoiaram, das amplas
responsabilidades que tiveram nas execuções, que foram de bastantes
centenas de milhares. Se as vítimas fossem encarceradas ao invés de
executadas a maioria teria sobrevivido. Muitos veriam os seus casos
revistos, e seriam libertados. Para os nossos objectivos neste
trabalho, a pergunta chave é:
Porque
cedeu Stalin ante as solicitações dos Primeiros Secretários,
solicitações que lhes concediam o destino de milhares de pessoas?
Pode ser que não existam desculpas, podem existir razões.
109.
Nenhum outro governo está preparado para traições simultâneas por
parte de altos comandos militares, figuras de primeira fila do
governo nacional e de governos regionais, e da direcção da polícia
secreta e de fronteiras.
110.
Um grave conjunto de conspirações, que incluía tanto actuais
líderes do Partido como anteriores, com ligações a todo o país,
acabava de ser descoberto. O mais ameaçador era a participação de
destacados militares dos níveis mais altos, com a revelação dos
planos secretos militares aos inimigos fascistas. A conspiração
militar tinha contactos em toda a URSS, e nela estavam também os
principais líderes do NKVD, incluindo Genrikh Yagoda, que dirigiu
este organismo entre os anos 1934 e 1936. Pode-se dizer que não se
conhecia a amplitude da conspiração e quanta gente estava
implicada. O caminho prudente era pensar o pior.
111.
O Politburo e Stalin estavam no cume de duas amplas hierarquias, a do
Partido e a governamental. O que sabiam sobre o estado das coisas no
país era o que os seus subordinados lhes diziam. No decorrer dos
seguintes doze meses reprimiram muitos dos Primeiros Secretários,
indo parar à prisão metade deles. Na maioria dos casos, os cargos
concretos e as transcrições dos seus interrogatórios continuaram
sem ser publicados, inclusive na Rússia pós-soviética e
anti-comunista. Mas agora contamos com bastantes provas das
investigações que efectuaram Stalin e o Politburo para fazer uma
ideia da alarmante situação que enfrentavam. (Lubianka B)
112.
O Partido Bolchevique guiava-se pelo centralismo democrático.
Malgrado a sua popularidade em toda a URSS, Stalin (como qualquer
outro líder do partido) podia ser derrotado por uma maioria do
Comité Central. Não estava em situação de ignorar pressões e
urgências por parte de um amplo número de membros do Comité Central.
113.
Como ilustração da incapacidade de Stalin para impedir que os
Primeiros Secretários burlassem os princípios que inspiravam as
eleições democráticas, Zhukov menciona um incidente que teve lugar
num plenário do Comité Central em Outubro de 1937. Kravtsov,
Primeiro Secretário do Kraikom (Comité Rexional G.F.) de Krasnodar
foi o único que reconheceu o que os seus colegas fizeram
secretamente nas semanas anteriores. Fixou um perfil da selecção
daqueles candidatos a deputados do Soviete Supremo que se ajustavam
aos interesses da "liderança ampla".
"Apresentamos
os nossos candidatos ao Soviete Supremo", manifestou com
sinceridade Kravtsov.
"Quem
são estes camaradas? Oito são membros do Partido, dois não são
membros nem do Partido nem do Komsomol. Assim cumprimos com a
percentagem de candidatos não membros do Partido que aprovou o
Comitê Central. Por sua ocupação, estes camaradas classificam-se
em: quatro empregados do Partido, dois empregados no Soviete, um
secretário de Kolkhoz, um condutor, um tractorista, um trabalhador do
sector do combustível...
Stalin:
Quem são?
Kravtsov:
Entre os dez está Yakovlev, Primeiro Secretário do Kraikom e
secretário do Comité Executivo do Krai.
Stalin:
Quem te aconselhou isso?
Kravtsov:
Tenho que dizer, camarada Stalin, que fui aconselhado aqui, no Comité Central.
Stalin:
Quem?
Kravtsov:
Aqui, no Comité Central, designamos o nosso secretário do Comité Executivo do Krai, o camarada Simochkin, e contou com a aprovação
do Comité Central.
Stalin:
De quem?
Kravtsov:
Não sei, não posso dizer quem.
Stalin:
É uma pena, magoa que não possas dizer quem, porque te informaram
muito mal." (Zhukov, Inoy 486-7)
114.
Evidentemente, todos os Primeiros Secretários estavam a fazer o que
só Kravtsov afirmou, ignorar o princípio de eleições secretas ao
Soviete, princípio que eles votaram num plenário anterior, mas que
nunca aceitaram na prática. Isto assinala a derrota definitiva de
Stalin neste tema, as reformas constitucionais e eleitorais que ele e
outros líderes centrais encabeçaram durante dois anos.
115.
A reforma democrática foi derrotada, e o antigo sistema político
manteve o seu lugar. O plano de Stalin para eleições abertas
desapareceu para sempre: "Deste modo, a tentativa de Stalin e do
seu grupo de reformar o sistema político da União Soviética
resultou num rotundo fracasso". (Zhukov, Inoy 491)
116.
Zhukov pensa que, se Stalin rejeitasse as exigências de poderes
extraordinários por parte dos Primeiros Secretários, seria provável
que este fosse destituído, detido por ser contra-revolucionário e
executado"...Hoje Stalin estaria entre as vítimas da repressão
de 1937, e o "Memorial" e a comissão de A. N. Yakovlev
estaria desde há muito tempo reclamando a sua reabilitação".
(Zhukov, KP 16 Nov. 02)
117.
Em Novembro de 1938, Lavrentii Beria assumiu o posto de Yezhov como
chefe do NKVD. As "troikas" foram abolidas. As execuções
extra-judiciais acabaram e os responsáveis pelos terríveis excessos
foram julgados e executados ou encarcerados. Mas a guerra estava
perto. O governo francês negou-se a continuar com a já muito fraca
aliança franco-soviética (A URSS desejava uma muito mais forte). Os
aliados cederam a Checoslováquia a Hitler e aos fascistas polacos,
sem nenhum tipo de luta. A Alemanha nazi conseguiu um acordo e uma
aliança com o governo fascista da Polónia, com a ideia de invadir
a URSS. No Estado espanhol, o grupo republicano, a quem os soviéticos
tanto ajudaram, estava à beira de perder a guerra. A Itália invadiu
a Etiópia, sem que a Liga de Nações fizesse nada. França e
Inglaterra, com o apoio da maioria da Europa ocidental, incentivavam
descaradamente Hitler para que invadisse a URSS. (Lubianka B, No.
365; Leibowitz)
118.
Japão, Itália e Alemanha tinham um tratado de mútua defesa, e um
pacto "Anti-Komintern", ambos expressamente dirigidos
contra a União Soviética. Todos os países europeus fronteiriços
(Polónia, Roménia, Bulgária, Hungria, Finlândia, Estónia,
Letónia e Lituânia) eram ditaduras militares de pendor fascista. Em
1938, um ataque japonês em Khazan causou uns 1.000 mortos no
Exército Vermello. Um ano depois, outro ataque japonês, desta vez
em Khalkin-Gol, foi repelido pelo Exército Vermelho. As baixas
soviéticas ascenderam a 17.000, incluindo quase 5.000 mortos; apesar
das baixas, o triunfo soviético foi decisivo já que o Japão não
voltou a atacar a URSS. Porém, nesse período, o governo soviético
não tinha certeza disso. (Rossiia I SSSR v Voynakh)
119.
Após 1938, o governo de Stalin não voltou a tentar colocar em
prática o sistema democrático eleitoral reflectido na Constituição
de 1936. Isto mostrava o ponto morto a que se chegara entre Stalin e
os Primeiros Secretários no Comité Central? Ou, pelo contrário,
dominava a ideia que, com uma guerra ás portas, os esforços
democratizantes tinham que aguardar tempos mais pacíficos? As provas
com que contamos não permitem uma conclusão firme.
120.
Porém, com a substituição de Yezhov por Beria (formalmente em
Dezembro de 1938, na prática umas semanas antes) teve lugar um
contínuo processo de reabilitações. Beria libertou uns 100.000
prisioneiros de campos de trabalho forçado e prisões. Isto foi
seguido dos julgamentos contra os dirigentes do NKVD acusados de
torturas e execuções extra-judiciais. (Thurston 128-9)
Oi, Francisco. Muito bom seu blog. Fico feliz que tenha reproduzido esse texto. Abs do Lúcio Jr.
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