Em
artigo publicado na última edição de «O Militante» abordámos as
causas e a natureza da guerra de Espanha, reservando para este número
a posição do PCP face a esse dramático acontecimento e o seu papel
no apoio à luta do povo espanhol.
A
guerra de Espanha continua a ser um problema do nosso tempo e como
tal deve ser encarado. Ali se travou o primeiro grande combate contra
a ameaça de um mundo fascista, realidade que se tem procurado
branquear e reabilitar. Os
trabalhadores, as forças democráticas não devem esquecer que o
fascismo não é um acidente de percurso na sociedade capitalista e
que os seus perigos devem ser tomados a sério.
No
período fascista, os acontecimentos da guerra de Espanha
constituíram coutada dos seus escribas, que se dedicaram a exaltar
os feitos dos vencedores, a santificar os crimes franquistas e a
demonizar a Frente Popular e o comunismo. No Portugal democrático,
com raras excepções, a guerra de Espanha pouca atenção mereceu e
o panorama aponta para o seu completo esquecimento. Hoje praticamente
só o PCP se empenha em recuperar a memória dum acontecimento que
esteve na origem de enormes sofrimentos para o povo espanhol e os
povos da Europa. Este silêncio não é fruto do acaso e há mesmo
quem o tenha considerado como uma necessidade, a bem da esquerda.
Em
Outubro de 2000, numa altura em que o BE, acabado de nascer,
anunciava como tarefa messiânica operar a renovação da esquerda,
vários dos seus dirigentes, em «artigo-manifesto», sentenciavam
que a guerra de Espanha e a derrota da República «marcou com um
ferro em brasa a identidade de várias esquerdas europeias,
designadamente a esquerda comunista», uma esquerda que, segundo
concluíam, «herdara da guerra de Espanha uma desconfiança pela
democracia parlamentar, uma obstinada admiração pela luta armada,
um ódio claro ao franquismo e a todas as suas sequelas,
designadamente a monarquia». E à laia de aviso sentenciavam que «A
esquerda portuguesa não será renovada enquanto não deixar em paz
os seus mortos.» (1)
Passando
por alto o carácter calunioso desta prosa, diremos tão só que,
pelos vistos, a renovação da esquerda passaria pelo necessário
revisionismo histórico acerca do que designam por «mitos» da
resistência ao fascismo. «Mitos – no dizer de um outro dirigente
do BE – indispensáveis à luta clandestina contra a repressão
necessários a sustentar a dureza das condições políticas da
altura e que persistiu numa certa visão histórica desse passado. É
o caso do Partido Comunista (...) porque o PCP só com muita
dificuldade abandona os mitos que forjou acerca de si próprio» (2).
Mas de que mitos se está a falar? Será que décadas de luta
abnegada de muitos milhares de militantes comunistas contra o
fascismo, na qual muitos deles foram presos, torturados e
assassinados, é um mito forjado pelo PCP?
Que
o BE não tenha heróis a recordar, nem tenha que honrar a sua
memória é fácil de perceber. Difícil é entender, e ainda mais
aceitar, o revisionismo histórico subjacente a tais concepções,
revisionismo que objectivamente serve a reacção e dificulta o
esclarecimento sobre a natureza do fascismo e a vigilância das
massas. O
revisionismo histórico, branqueando o fascismo, ou a natureza da
guerra de Espanha como sua expressão, conduz, sejam quais forem as
motivações dos seus promotores, ao apagamento, à negação e mesmo
condenação da luta heróica de milhares de homens e mulheres pela
liberdade e pela paz.
Numa
altura em que doutos académicos dizem que o fascismo nunca existiu e
que afinal Salazar e Franco não foram tão maus como os pintam e que
a vitória dos «nacionalistas» salvou a Península da barbárie
comunista; que o Vaticano beatifica figuras gradas do nazi-fascismo;
que se move um processo a um juiz por querer julgar os crimes
cometidos pelo franquismo e o Parlamento espanhol, mais uma vez se
recusou a condenar tais crimes, com o aplauso de socialistas e dos
partidos de direita; quando em Portugal se acaba de assistir a um
julgamento visando a defesa do «bom» nome do director da PIDE Silva
Paes e a «honorabilidade» da criminosa instituição que dirigia,
as forças democráticas e antifascistas têm o dever de recuperar a
memória histórica, não deixando cair no esquecimento os
monstruosos crimes das ditaduras «nacionalistas» de Franco e
Salazar. Exige-o o respeito pela memória de todos aqueles que, não
em palavras mas em actos de abnegação, regaram com o seu próprio
sangue terras de Espanha para que os povos espanhol, português e de
todo o mundo pudessem viver em liberdade e decidir livremente dos
seus destinos.
As
obras sobre a guerra de Espanha contam-se por dezenas de milhar,
incluindo a abordagem da intervenção de combatentes antifascistas
vindos de diferentes recantos do mundo, ou estando já em Espanha, e
que, integrando-se nas Brigadas Internacionais, nas milícias
populares, no 5.º Regimento de milícias populares, criado pelo
Partido Comunista de Espanha (PCE) e que seria o embrião do Exército
Popular da República, ou nas forças militares da República,
tomaram como causa sua a luta do povo de Espanha, «tornada fronteira
da liberdade na Europa e no mundo», como declarou a Internacional
Comunista (IC). A
palavra de ordem da IC – «Ajudar a Espanha» – mobilizou homens
e mulheres de tendências políticas, ideológicas, religiosas e
origem social diversas, levando ao mais vasto movimento de
solidariedade internacionalista até então realizado para com um
povo em luta. Dificilmente se poderia conceber, escreveu Ilya
Ereenburg, «que nos anos trinta do nosso século [séc. XX] pudesse
erguer-se das profundezas do povo uma vaga tão grandiosa e única de
fraternidade e abnegação. A lealdade foi então garantida não por
assinaturas, não por palavras, mas com sangue». (3)
Entre
os muitos milhares de combatentes internacionalistas encontravam-se
comunistas portugueses, que, irmanados com os combatentes patriotas
espanhóis, deram corpo ao Exército Popular, «um Exército – como
disse Dolores Ibarruri – de gentes esfarrapadas, mal vestido, mal
alimentado e pior armado, foi capaz de enterrar no Jarama as
divisões alemãs e aniquilar os italianos nos campos de Guadalajara»
(4).
Um exército que, sem a traição das chamadas democracias ocidentais
e da social democracia internacional, teria vencido a guerra.
Se
a temática da guerra de Espanha pouco interesse tem despertado em
Portugal junto da historiografia «democrática» – o mais
significativo do que se fez centrou-se nas relações entre os dois
Estados fascistas e na política externa do salazarismo –, a
questão da participação dos antifascistas portugueses na guerra,
salvo raras e honrosas excepções, tem merecido ainda menos atenção.
E no pouco que se tem escrito prevalece o silenciamento, o minimizar
e quase negar o papel do PCP, havendo mesmo quem tenha defendido a
tese de que o PCP se sente envergonhado pela fraca participação dos
comunistas portugueses na solidariedade com a Espanha Popular.
A
tamanho despautério, assente em premissas ideológicas, já alguém,
não comunista mas com conhecimento de causa – faz parte das tais
honrosas excepções – se encarregou de responder: «Sucede que
essa hipótese (abstraindo a intenção caluniosa) não resiste à
prova dos factos conhecidos. Na verdade, a solidariedade dos
comunistas portugueses, o seu empenhamento na luta que se travou em
Espanha, apresenta um saldo altamente honroso, que sustenta confronto
com outros grupos nacionais (5),
afirmação que o autor sustenta em toda uma série de factos.
Na
verdade, que outra força pode reivindicar uma acção de
solidariedade com a Espanha Popular comparável à do PCP? Que outra
força apelou de forma regular à luta contra a política
intervencionista de Salazar; à sabotagem dos abastecimentos aos
exércitos de Franco; à solidariedade material para com os
antifascistas espanhóis; a que se fosse combater em Espanha em
defesa da República Popular? Essa força não existiu.
Logo no começo da guerra, em Agosto de 1936, classificando a sublevação fascista como a «mais criminosa das grandes ofensivas do grande capitalismo que a nobreza e a Igreja de Espanha desencadearam contra o nobre povo espanhol» (6), o PCP definia claramente a natureza do golpe dos generais contra a República e das forças sociais e económicas interessadas no triunfo do fascismo em Espanha.
Armado
com as orientações do VII Congresso da IC sobre a natureza do
fascismo e a estratégia para lhe fazer frente, compreendendo a
dialéctica do nacional e do internacional, por dever
internacionalista, o PCP foi a única força política nacional que
verdadeiramente compreendeu o que se iria decidir em Espanha e que,
consequentemente, assumiu como sua a causa do povo espanhol. Numa
resolução do Secretariado do Comité Central, de Fevereiro de 1937,
pode ler-se: «uma vitória do fascismo internacional em Espanha
consolidaria a posição do fascismo português e logo reforçaria a
ofensiva do capital sobre as classes trabalhadoras, provocaria o
aumento da repressão (...). A vitória da República espanhola
representa, pelo contrário, uma machadada dura no fascismo
internacional e um triunfo enorme para o movimento da Frente Popular
em todo o mundo». (7)
Para
o PCP, lutar contra o fascismo salazarista e apoiar a luta do povo
espanhol eram duas frentes de uma luta comum. «Lutar pela causa do
povo espanhol, é lutar pela nossa própria causa, pela causa do pão,
da liberdade, da paz e da independência de Portugal» não foi só
uma palavra de ordem, foi o princípio orientador de toda a
intervenção do PCP, partido patriótico e internacionalista.
Actuando em conformidade, o PCP desenvolveu acções multilaterais de
solidariedade para com o povo espanhol sem paralelo com qualquer
outra força política.
Ignorando
as causas, ou as explicações – também aqui há honrosas
excepções – para o facto de não se ter constituído uma Brigada
só com portugueses e o número dos que se integraram nas Brigadas
Internacionais ter sido pouco significativo, conclui-se daí ter
havido uma fraca adesão aos apelos do PCP para combater em Espanha
pela República Popular e, de caminho, desvaloriza-se a participação
portuguesa em geral e a dos comunistas em particular. O camarada
Cunhal chegou a responder a esta questão, salientando ser um absurdo
pensar-se que nas condições da época – fronteiras fechadas,
território espanhol confinante com o nosso ocupado de Norte a Sul
pelos fascistas – teria sido possível grande partida de
portugueses em auxílio da República espanhola.
O
número de portugueses que lutou em defesa da República espanhola, o
nome de grande parte deles e o destino de muitos outros continua por
esclarecer. Nos mais de um milhão de mortos causados pela guerra,
quantos eram portugueses? Quantos foram fuzilados? Que aconteceu a
algumas centenas encerrados nos campos de concentração franquistas?
Só no campo de Burgos estavam mais de 100 portugueses, na sua
maioria trabalhadores mineiros nas Astúrias (dados de António
Pereira Lopes, que esteve prisioneiro no campo de Burgos). E quantos
restos mortais de portugueses se encontrarão nas cerca de 1700 valas
comuns ainda por abrir (dados recentes de entidades espanholas
apontam para 133 000 o número dos ainda desaparecidos)? Certamente
que os cadáveres de portugueses fuzilados na Galiza recentemente
descobertos não serão um caso isolado.
As
instituições do Estado democrático em momento algum se
interessaram pela sorte destes antifascistas portugueses. E o não
termos encontrado até hoje um documento que havia sido elaborado,
contendo o levantamento de membros do Partido que participaram na
guerra até 1938, torna difícil o esclarecimento da real
participação do Partido na guerra de Espanha. No entanto, mesmo sem
resposta a alguns destes problemas, somados os portugueses
repatriados para França e mantidos em campos de concentração
(600/700), os referenciados como entregues por Franco a Salazar
(308), os mortos em combate e os desaparecidos, pode-se afirmar
seguramente que o contingente português se encontrava entre os mais
numerosos que combateram pela República espanhola.
Como
se explica então que na generalidade das obras sobre a guerra de
Espanha a participação de antifascistas portugueses seja
praticamente ignorada, apesar do relevo dado à morte de alguns
combatentes comunistas que tiveram na imprensa honras de heróis?
As dificuldades em constituir uma Brigada composta por portugueses são conhecidas. Quando a IC discutiu a constituição das Brigadas Internacionais e os primeiros contingentes internacionalistas chegaram a Espanha, já muitos portugueses a trabalhar na Galiza, nas Astúrias, na Andaluzia, na Catalunha e integrados na vida social e política espanhola, bem como refugiados antifascistas, se haviam alistado nas milícias populares e no Exército republicano, alguns ocupando postos de comando, havendo já nessa altura comunistas portugueses que tinham perdido a vida em combate.
A
«castelhanização» de nomes portugueses, o facto de portugueses
estarem filiados no PCE e no PSUC (Partido Socialista Unificado da
Catalunha) e de, a certa altura, se ter decidido pela dupla filiação
para aumentar a eficácia da coordenação, pode ter contribuído
para o apagamento da participação portuguesa, mas isso não explica
tudo quando se sabe terem membros do PCP desempenhado cargos de
responsabilidade nas milícias e no Exército Popular, como se poderá
verificar na lista de nomes em separado.
De destacar ainda o facto de, embora sem envolvimento directo nas operações de guerra, destacados quadros e dirigentes do Partido na altura que foram enviados para Espanha com tarefas de solidariedade, ou que lá se encontravam quando se deu a sublevação, terem desempenhado importantes tarefas políticas no campo da unidade de diferentes forças e personalidades, no auxílio e mobilização de combatentes portugueses, na difusão de notícias para Portugal, via rádio.
Saliente-se
ainda o trabalho notável desenvolvido em condições extremamente
difíceis por membros do PCP junto dos refugiados de guerra,
organizando a vida colectiva nos campos de concentração franceses;
criando serviços sanitários e de saúde; desenvolvendo actividades
culturais, chegando a editar um jornal manuscrito. Mesmo o camarada
Manuel Guedes, que se encontrava preso na cadeia de Cáceres com
Pires Jorge quando eclodiu a guerra, desenvolveu importante trabalho
no apoio aos combatentes antifascistas presos.(8) Há
ainda que lembrar que foi por iniciativa do PCP que foram criadas
organizações como o Comité da «Frente Popular Portuguesa», em
França, e a «União dos Resistentes Antifascistas Residentes em
Espanha», organizações que, tendo atingido muitas centenas de
membros, desempenharam papel de grande importância na mobilização
e unificação de comunistas, personalidades republicanas,
anarquistas unitários e emigrantes, no apoio à causa republicana.
Nenhuma outra força desenvolveu, como o PCP, uma acção continuada
no nosso país de apoio à causa da Espanha Popular: recolha de
fundos significativos para a Cruz Vermelha Espanhola feita pelo
Socorro Vermelho, acção que levou à prisão dezenas dos seus
membros; recolha de provas documentais comprovativas do envolvimento
de Portugal na agressão a Espanha e do fuzilamento de refugiados
entregues por Salazar aos franquistas, documentos que foram enviados
para Espanha e entregues nas embaixadas de França e Inglaterra em
Portugal.
O
PCP esteve envolvido na sabotagem de camiões com combustível para
as tropas fascistas; na tentativa de destruição do Rádio Clube
Português; nas acções contra os depósitos de combustível da
Vacuum Oil, fornecedora de combustível aos sublevados; contra a
fábrica de Barcarena e Metalúrgica de Benfica, fornecedoras de
pólvora, balas e bombas; no assalto, em Serpa, à caravana de
camiões com provisões para os franquistas, etc. A «Revolta dos
Marinheiros» – fortemente influenciada pela situação em Espanha
–, por se tratar de uma acção contra o regime salazarista, um dos
principais apoios dos sediosos e invasores, foi valorizada pelos
camaradas espanhóis como um acto de solidariedade para com a luta do
povo espanhol.
Num
quadro em que vigorava o mais rigoroso sistema censório, que os
principais órgãos de comunicação social – jornais e rádio –
estavam ao serviço da propaganda fascista, do apoio à intervenção
imperialista e às façanhas «nacionalistas» e intoxicação do
nosso povo sobre a natureza do comunismo e a evolução da guerra, o
«Avante!», o único órgão de comunicação social que o fascismo
não conseguia amordaçar, desempenhou um papel insubstituível no
apoio à causa da República Popular de Espanha. Nas suas páginas
foi esclarecida a natureza da guerra, denunciado o envolvimento de
Portugal na agressão a Espanha e a criminosa política chamada de
«não-intervenção», impulsionada a solidariedade política e
material para com o povo espanhol, apelando à unidade e à acção
do movimento operário e dos democratas portugueses a favor da
República espanhola e da intensificação da luta contra a ditadura
salazarista.
Durante
mais de dois anos, desde o começo da guerra até Maio de 38, altura
em que foi assaltada pela PVDE a tipografia clandestina onde era
impresso o «Avante!», número após número, primeiro mensal,
depois quinzenal (Novembro de 36) e por fim semanal (Maio de 37), o
«Avante!» esteve em grande medida, durante este período, ao
serviço da causa do povo espanhol. A publicação do «Avante!»,
que chegou a atingir tiragens de 10 000 exemplares por número, pelas
condições técnicas em que era feito, exigindo cinco funcionários
em permanência para a sua produção, e pelo esforço orgânico
necessário à sua distribuição, implicou, nas condições do
Partido à época, um esforço gigantesco.
O
ter o PCP reconhecido as insuficiências da solidariedade prestada ao
povo espanhol em Portugal e o seu atraso em relação ao movimento de
solidariedade internacional (9)
não
pode levar a concluir que os comunistas portugueses se devam
envergonhar por essas insuficiências. Desde logo, porque dada a
grandeza e a importância da luta que se tratava toda a ajuda seria
sempre insuficiente. A análise crítica feita pelo PCP não estava,
no entanto, ligada às suas dificuldades mas sim aos prejuízos
causados ao desenvolvimento da solidariedade pela falta de resposta
de diferentes forças políticas e sociais no interior do país –
anarquistas e republicanos – que, por sectarismo e incompreensão
quanto à natureza da guerra e ao seu significado para a luta do povo
português, deixavam sem resposta as sucessivas propostas do PCP para
um entendimento e empenho comum no desenvolvimento da solidariedade
para com o povo espanhol.
A
avaliação da dimensão da solidariedade do PCP para com a Espanha
Popular não pode ignorar as condições de clandestinidade em que o
Partido actuava, enfrentando um aparelho repressivo que concentrava o
fundamental da sua acção no objectivo de o destruir. Na segunda
metade dos anos trinta, a ditadura fascista, com a ajuda da polícia
de Mussolini e Hitler, dispunha já de um aparelho repressivo
altamente eficaz, o qual foi bastante reforçado depois do triunfo da
Frente Popular em Espanha e do eclodir da guerra. Em Novembro de
1935, o PCP sofreu um rude golpe com a prisão de todo o
Secretariado, incluindo o Secretário-Geral Bento Gonçalves,
seguindo-se várias outras prisões de quadros responsáveis.
Os
anos da guerra de Espanha (1936-39) foram marcados pela maior e mais
brutal ofensiva repressiva em Portugal. Foi nesse período que teve
lugar o maior número de prisões (39% de todas as prisões entre
1932 e 1960); o maior número de presos enviados para o campo de
concentração do Tarrafal (63% de todos os presos para lá enviados
durante os 19 anos de funcionamento do campo); a aplicação das
penas mais pesadas e 35% de todos os assassinatos durante os 48 anos
de fascismo. Foi igualmente neste período que foi apresentado na
Assembleia Nacional um projecto de lei tendente ao restabelecimento
da pena de morte para os crimes contra a segurança do Estado, que a
Legião Portuguesa mais se afirma como milícia fascista e que teve
lugar a maior e a mais estérica campanha anticomunista. Foi sobre o
PCP que recaiu o fundamental desta ofensiva.
O
antigo director da PVDE, capitão Agostinho Lourenço, em extenso
relatório, fundamenta as razões do reforço dos meios de
intervenção da polícia política, as causas determinantes à
ofensiva, bem como a razão da escolha das forças e actividades a
liquidar. «Portugal continuava a ser – escreveu – a grande
esperança para os partidários da «Frente Popular», pelo que de
grave representava para as forças nacionalistas um golpe vibrado nas
suas costas. Tudo isto determinou a ofensiva, chamemos-lhe assim, que
em fins de 1937 se iniciou contra os organismos revolucionários em
Portugal (leia-se PCP, Socorro Vermelho...) e que em fins de 1938, se
poderia considerar terminada com o aniquilamento de toda a imprensa
clandestina...» (10).
Neste
período, o Partido perdeu três tipografias e um número
significativo de quadros, o que inclusivamente levou à decisão de
fazer regressar de Espanha alguns quadros não envolvidos em
operações militares. Pelo número de militantes e dirigentes do
Partido envolvidos; pelo número dos que perderam a vida em combate,
ou por fuzilamento; pelo nível de responsabilidades assumidas na
condução da guerra; pelo número dos encarcerados nas cadeias
franquistas; pela acção concreta contra o papel de Portugal como
praça forte no apoio à sublevação fascista, a solidariedade do
PCP perdura na sua história como uma das maiores acções
internacionalistas que os comunistas evocam com orgulho.
Mas a solidariedade activa do PCP para com os comunistas e o povo espanhol prolongou-se muito para além da guerra, quer no apoio aos refugiados, quer no apoio à reorganização do PCE empreendida no começo dos anos 40. A solidariedade PCP/PCE no período subsequente à guerra tem igualmente sido sujeita a grosseiras deturpações e falsificações, apresentando a verdade dos factos completamente do avesso, ao defender-se ter o PCE estado empenhado na reorganização do PCP, quando é sabido que a reorganização dos anos 40/41, discutida ainda no Tarrafal com Bento Gonçalves, foi decidida e levada a cabo por iniciativa e responsabilidade única do PCP, numa altura em que o PCP se encontrava isolado da IC e do movimento comunista internacional.
A
guerra e o triunfo do fascismo significaram perdas muito pesadas para
o PCE, a força mais determinada no processo revolucionário em
Espanha e na organização da resistência heróica ao fascismo.
Dezenas de milhar de militantes do PCE perderam a vida nos campos de
batalha, ou frente aos pelotões de fusilamento. Milhares de outros
foram encarcerados por longos anos nas cadeias, a que se deve somar
os que tiveram de emigrar e que atingiu igualmente muitos milhares.
Não se resignando perante a derrota, não se curvando face à nova
ordem, os comunistas espanhóis, tal como fizera o PCP e outros
partidos comunistas sujeitos a perseguições fascistas, lançaram-se
na tarefa de reagrupar forças, de erguer uma organização
clandestina capaz de encabeçar a luta da resistência. Nessa tarefa
os comunistas espanhóis puderam contar com a activa e responsável
solidariedade dos comunistas portugueses.
Como
explicou o camarada Álvaro Cunhal, os camaradas espanhóis
«pediram-nos ajuda para os recebermos aqui (em Portugal). E nós
aceitámos isso e passamos para Espanha muitos camaradas espanhóis.
Estiveram aqui muitos camaradas responsáveis do Partido Comunista de
Espanha, nas nossas casas clandestinas». (11)
Há
ainda a acrecentar que esta ajuda se revestiu em resolver problemas
técnicos e logísticos necessários à organização clandestina do
PCE, que a pedido dos camaradas espanhóis o PCP se empenhou em fazer
chegar dirigentes seus ao Norte de África, além de ter sido enviado
clandestinamente para Espanha um membro do nosso Comité Central, que
tinha vivido em Espanha, com a missão de ajudar o PCE a restabelecer
contactos.
Neste
período, em resultado da cooperação Franco/Salazar, há a
assinalar o facto dos membros do CC do PCE, Isidoro Diéguez Duenas,
secretário do Comité Provincial de Madrid durante a guerra,
emigrado do México destacado para participar na reorganização do
PCE, e Jesus Larranaga Churruca, basco, fundador do PC de Euskadi,
Comissário do Exército do Norte, emigrado em Portugal terminada a
guerra, também destacado para participar na organização, terem
sido presos em 1941 pela PVDE e entregues à polícia franquista, que
os fuzilou em 1942, engrossando o número de espanhóis entregues por
Salazar a Franco durante a guerra (415, segundo números oficiais).
Os
sucessos da reorganização de 40/41 do PCP, expressos no reforço
orgânico e influência política do Partido, nas grandes greves de
42, 43 e 44, nos avanços alcançados na unidade antifascista, foram
seguidos com muito interesse pelos camaradas espanhóis e encarados
como um apoio à luta comum contra o fascismo na Península Ibérica,
sucessos que os camaradas espanhóis na emigração, com acesso a
órgãos de comunicação social em vários países, se empenharam em
divulgar, levando-os também ao conhecimento da Internacional
Comunista.
A
ajuda solidária do PCP para com os comunistas espanhóis foi
altamente valorizada pela direcção do PCE, como se pode avaliar por
uma carta do seu Comité Central (28/9/43), assinada por Santiago
Carrilho: «... devo agradecer-vos em nome do nosso Partido, a grande
ajuda que vindes dando ao nosso trabalho e dentro das condições da
repressão em que a desenvolveis (...). Com a vossa ajuda, o nosso
Partido deu sérios passos na luta comum para libertar a península
do fascismo de Franco e de Oliveira Salazar». (itálico nosso) Esta
é a verdade dos factos. Se os referimos é tão só pela necessidade
de combater falsificações históricas.
Salazar
e Franco, corresponsáveis por autênticas chacinas contra populações
espanholas e responsáveis por um número infindável de crimes,
conseguiram sobreviver ao desaparecimento dos seus amigos e mentores,
Mussolini e Hitler, sendo recuperados e reciclados no fim da II
Guerra Mundial pelas ditas democracias ocidentais, quando se deviam
ter sentado em Nuremberga para serem julgados. As mesmas potências
que se haviam entendido para esmagar a República espanhola em nome
do combate ao comunismo, voltaram a entender-se para assegurar a
continuidade de ditaduras fascistas de Portugal e Espanha,
exactamente em nome do mesmo objectivo.
O
povo português e o espanhol pagaram um alto preço por esta aliança.
Salazar e Franco puderam continuar impunemente a manter os seus
campos de concentração, a prender, torturar e assassinar os
patriotas e antifascistas dos seus países. No Portugal democrático
(e em Espanha) nem um só crime fascista foi julgado. Paira um
silêncio serrado sobre a necessidade de se fazer justiça a todos
aqueles que travaram uma abnegada luta contra o fascismo e pela
liberdade.
Em
Dezembro de 1936, o PCP apelava para que não fossem esquecidos os
nossos mortos na guerra de Espanha (12).
Os portugueses que em Espanha lutaram contra o fascismo, os que lá
morreram, os que foram para os campos de concentração franceses e
de Franco, os que foram enviados para o Tarrafal quando repatriados
para Portugal, e alguns lá morreram, são parte integrante da
resistência ao fascismo em Portugal, da luta pela conquista da
liberdade. Portugueses que, face à criminosa intervenção do regime
salazarista contra a República espanhola, «resgataram Portugal do
opróbio». (13)
Apesar de terem passado 75 anos, o apelo do «Avante!» mantém-se actual. Resgatar a memória da guerra de Espanha, denunciar os crimes do fascismo, fazer justiça aos que lá combateram é uma tarefa dos nossos dias, é contribuir para reforçar a luta pela liberdade.
Notas:
- In «Público», de 10/10/2000.
- Fernando Rosas, citado in «Salazarismo e Franquismo na época de Hitler (1936-1942)», de Manuel Loff, Campo das Letras, 1996, p. 92.
- Ilya Ereenburg, «Vésperas da Guerra Civil 1933-1940», citado in «A Batalha das Brigadas Internacionais», de V. Brome, Livros do Brasil, p. 167.
- Dolores Ibarruri, «Em Luta. Guerra Civil de Espanha», DIABRIL, 1975, p. 158.
- Varela Gomes, «A Guerra de Espanha – Achegas ao Redor da Participação Portuguesa – 70 anos depois», ed. Fim de Século, 2.ª ed., 2006, p. 99.
- «Avante!» n.º 20, II Série, Agosto de 1936.
- «Boletim Interno do PCP», n.º 1, II Série, Fevereiro de 1937.
- Enviado a Espanha por decisão do Secretariado do Partido, acompanhado por Pires Jorge na passagem clandestina da fronteira. Por se encontrarem armados foram presos pelas forças da República e encontravam-se na cadeia de Cáceres quando eclodiu a guerra, vindo ambos a ser entregues à PIDE pela polícia fascista espanhola, primeiro Pires Jorge e mais tarde Manuel Guedes, em Novembro de 1939. Estes acontecimentos são descritos no livro de Manuel Guedes El Paseo. Memórias de um preso político português na cadeia de Cáceres durante a Guerra Civil de Espanha, e no livro de Pires Jorge Com uma imensa alegria, Notas autobiográficas, ambos das edições «Avante!». \
- «Avante!», n.º 43, II Série, 3.ª quinzena de Julho de 1937.
- «Polícia Vigilância e Defesa do Estado 1932-1938», relatório de Agostinho Lourenço, p. 10.
- Álvaro Cunhal, «Duas Intervenções...», ed. «Avante!», 1996, p. 10.
- «Avante!», n.º 25, 2.ª quinzena de Dezembro de 1936.
- «Avante!», n.º 83, número especial sobre a guerra de Espanha, sem data mas impresso nos meses de Abril/Maio de 1938.
Lista
de alguns nomes de membros do Partido que participaram na guerra
(podendo, por razão de espaço, cometer-se alguma injustiça, sempre
subjacente à escolha de exemplos num universo tão vasto):
Alberto
Ramos, membro das milícias populares, ferido em combate na frente de
Santander;
Alexandrino
dos Santos, ex-oficial do exército português. Aderiu ao PCP em
Espanha, tendo-se distinguido em várias frentes de combate,
participado na reorganização dos carabineiros, integrando o seu
Estado-Maior, e promovido a tenente-coronel, o posto mais elevado
atingido por portugueses;
António
Pereira Lopes, combateu na frente de Aragão e na batalha de Teruel,
tendo integrado a «Divisão Karl Marx». Foi feito prisioneiro e
encarcerado em vários campos de concentração;
Alípio
dos Santos Rocha, combateu na defesa de Madrid e outras frentes como
tanquista, sendo promovido a tenente por distinção;
António
Bandeira Cabrita, ex-membro do Secretariado do PCP, foi dos primeiros
portugueses a alistar-se nas milícias populares, sendo promovido a
tenente por actos de bravura. Morreu na frente de Talavera, tendo o
funeral constituído uma homenagem a «um herói de guerra»;
Armindo
Almeida, dirigente da JCP, morto na batalha do Ebro;
Armindo
Perú, participante na «Revolta dos Marinheiros», fugiu para
Espanha onde participou na Escola para Oficiais em Cartagena,
morrendo em consequência de um ataque aéreo;
António
Vicente, membro da JCP que ingressou nas milícias populares logo no
começo da guerra, tendo participado nas batalhas de Guadarrama,
Talavera e Jarama. Ferido várias vezes, morreu em combate, tendo o
seu batalhão adoptado o seu nome;
Augusto
Duarte Reis, delegado do Partido e do Socorro Vermelho em Espanha
(apresentado em algumas obras como capitão espanhol). Comissário
Político, morto na frente de Aragão, considerado exemplo de
«heroísmo e abnegação»;
Augusto
Nascimento, participou na defesa de Madrid como membro das Brigadas
Internacionais;
Eduardo
Monteiro, combateu na defesa de Madrid e outras frentes, tendo
ascendido ao posto de capitão;
Francisco
de Almeida Pio, ex-oficial do exército português refugiado em
Espanha, onde aderiu ao PCP. Teve papel destacado na defesa de
Madrid, foi ferido em Carabanchel, tendo-se distinguido na formação
de oficiais do 5.º Regimento, ocupando o cargo de director da Escola
de Oficiais do Regimento;
Frederico
Paninho, participou na defesa de Madrid, integrou as Brigadas
Internacionais. Tenente Administrador do Hospital Militar n.º 5 de
Madrid;
Jacinto
Cunha, Comissário Político;
João
Paulino de Sousa, combateu nas frentes de Madrid e Catalunha. Tenente
dos carabineiros;
Joaquim
da Silva Santos, participou na guerra desde os primeiros dias, sendo
promovido a capitão dos Serviços Sanitários do Exército por
«relevantes serviços prestados»;
José
dos Santos Rocha, capitão de metralhadoras. Morto na batalha de
Guadarrama;
José
Marcelino, fuzilado pelos franquistas;
Manuel
Batista dos Reis, combateu na frente de Andaluzia e em várias outras
frentes. Ferido em combate, foi promovido a capitão. Chefe dos
Serviços Sanitários da Base dos Carabineiros (Castellon);
Manuel
Roque Júnior, integrou o 5.º Regimento e o 7.º Corpo do Exército
como sargento artilheiro. Frequentou o curso para oficiais na Escola
Popular de Guerra n.º 2 (Valência);
Mário
José Fernandes, participou na defesa de Madrid, tendo comandado uma
companhia de metralhadoras. Dirigiu a Escola Militar de Centella,
onde se formaram vários oficiais portugueses. Integrou a
Direcção-Geral dos carabineiros. Por mérito em combate passou de
sargento a tenente e depois a capitão;
Miguel
Ramos, tenente de Artilharia, instrutor na Escola de formação de
oficiais;
Pedro
Batista da Rocha, combateu em várias frentes, sendo promovido a
capitão de Artilharia. Foi incorporado na Escola do Estado-Maior
Central;
Salvador
Cruz, participou na guerra desde os primeiros dias, tendo-se
destacado na defesa de Madrid. Comandante de Batalhão, promovido a
capitão, foi morto na batalha de Jarama e considerado «exemplo de
trabalhadores que se elevaram à condição de destacados oficiais»;
Telmo
dos Santos, pertenceu aos Serviços de Informações Militares.
Lista
elaborada com dados colhidos em fontes diversas, com particular
destaque para arquivos do PCP, Torre do Tombo e testemunhos de
participantes na guerra
(Revista "O Militante" - Nº 313,Set/Out 2011)
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