A
situação económica, social e política em Portugal coloca aos
comunistas portugueses grandes desafios e responsabilidades. As
questões da resistência à ofensiva do capital contra os
trabalhadores e o povo; da ruptura com a política de direita por via
de uma política alternativa, patriótica e de esquerda; da afirmação
do socialismo como a necessária, única e urgente alternativa de
fundo ao capitalismo – de que a Democracia Avançada é a actual
etapa – estão na ordem do dia.
Estas
são questões fundamentais, interrelacionadas e indissociáveis
entre si, a que é necessário dedicar atenção, reflexão e acção,
num quadro em que, num plano geral, a acumulação de factores
objectivos materiais para a superação revolucionária do
capitalismo coloca a necessidade de avanços significativos na
capacidade de organização dos comunistas, da sua intervenção, da
sua ligação às massas e da sua decidida ofensiva na luta das
ideias.
Para
responder a tais exigências é necessário partir da realidade em
que intervimos, ter em conta as especificidades nacionais, a nossa
realidade económica e social, a nossa história, a nossa
experiência, a nossa cultura e a correlação de forças existente.
A vida encarregou-se de demonstrar que o marco nacional de luta é o
espaço fundamental da luta de classes, assim como se encarregou de
demonstrar que o papel e a criatividade das massas em movimento, com
a afirmação de uma força de vanguarda (como o é o PCP) que assuma
a ruptura com o capitalismo e projecte o socialismo como alternativa,
são elementos fundamentais para a construção de uma real
alternativa política.
Causas
internas, externas e a ofensiva das classes dominantes
Para
a definição dessa alternativa é necessário ter uma noção clara
das reais causas da situação que vivemos, as internas, as externas
e o modo como se relacionam entre si.
A
vida está a mostrar que as causas «domésticas» de uma das maiores
crises económicas e sociais na História de Portugal não radicam
num qualquer erro de gestão deste ou daquele governo em concreto, ou
duma política em particular. Radicam isso sim nos 36 anos de
política de direita praticada pelo PS, PSD e CDS, articulados com a
associação de Portugal ao processo de integração capitalista na
Europa. Políticas que perseguiram até hoje todas um mesmo
objectivo: a contra-revolução, a recuperação monopolista, a
destruição das conquistas de Abril, o ataque ao regime democrático
saído da revolução e à Constituição que o enquadra, e uma
crescente submissão às estruturas do imperialismo.
Um
sistema de políticas que teve como consequências o aumento das
desigualdades e da exploração dos trabalhadores e do povo, a
destruição de grande parte do nosso aparelho produtivo nacional, o
estrangulamento da nossa economia, o endividamento do país e a sua
crescente dependência. É aqui que residem os problemas do país e
não num qualquer chavão hipócrita e criminoso do ponto de vista
social de que «vivemos acima das nossas possibilidades» ou numa
mentirosa constatação da inevitabilidade do empobrecimento do povo
e da submissão do país ao garrote da dívida externa e aos ditames
da União Europeia (UE), do FMI e do imperialismo em geral.
A
política de direita, sendo a expressão concreta da ofensiva da
classe dominante contra os trabalhadores e o povo português (e
simultaneamente uma das causas centrais da actual situação), está
interligada e relaciona-se com outros factores que podemos, de forma
simplificada, apelidar de «externos». Isto porque é sua expressão
e interliga-se com eles. Porque nasce dos mesmos interesses de
classe, assenta na defesa e imposição do mesmo sistema de
exploração e opressão – o capitalismo.
Isso
foi e continua a ser particularmente visível na coincidência de
posições dos partidos da política de direita (PSD, CDS e PS) com
as posições da UE e do FMI relativamente à crise do capitalismo e
em especial à crise na e da UE. Coincidência de posições que não
surpreende se tivermos em conta a coincidente defesa do mesmo sistema
e portanto dos seus instrumentos. Sendo a UE um deles, e a crise na e
da UE uma expressão no continente europeu da crise do capitalismo,
não admira então que, com mais ou menos rótulos hipócritas (como
o do «crescimento e emprego» que a social-democracia resolveu colar
ao «Tratado Orçamental»), com mais ou menos retóricas e falsos
distanciamentos, com maiores ou menores variantes do modelo de
federalismo que querem impor aos povos, todos tenham convergido em
momentos como Maastricht, a imposição do Tratado de Lisboa, o
conluio do Pacto de Agressão das troikas contra o povo português, e
convirjam agora naquilo que para eles é essencial: salvar a UE e
seus principais instrumentos, entre os quais a União Económica e
Monetária (o Euro), à custa de uma profunda regressão
civilizacional no continente europeu.
Ou
seja, do ponto de vista de classe não existem propriamente causas
«externas» e «internas», existem sim expressões externas e
internas de uma mesma ofensiva de classe que ataca direitos sociais e
laborais, democracia e soberania.
É
por isso fundamental, num quadro de grande instabilidade, incerteza e
insegurança, integrar a análise da situação nacional numa análise
mais geral sobre a situação internacional. Tal como é fundamental
integrar a construção da alternativa patriótica e de esquerda, da
democracia avançada, e o objectivo da construção de uma sociedade
socialista no nosso país, na luta mais geral dos povos pela sua
emancipação social.
A
crise do capitalismo e a rearrumação de forças no plano
internacional
A
evolução da situação internacional é marcada pelo rápido e
violento aprofundamento da crise estrutural do capitalismo. Tal
tendência, que resulta da natureza, funcionamento e contradições
do capitalismo, manifesta-se de várias formas: no plano ecológico –
em que a realidade demonstra cada vez mais a insustentabilidade de um
sistema socioeconómico assente na busca do lucro máximo e num
conceito de crescimento económico desligado e em contradição com
as necessidades de preservação das condições naturais para a
sobrevivência da espécie; no plano alimentar – como o demonstram
as cada vez mais pronunciadas quebras de aprovisionamento de produtos
alimentares, o aumento dos preços dos alimentos e as crises
alimentares sucessivas, com particular incidência desde 2008, que
empurram dezenas de milhões de pessoas para a pobreza e a fome e que
já colocam 2/3 dos países africanos em risco de crise alimentar; no
plano energético e do mercado de matérias-primas – com sucessivos
choques petrolíferos, diminuições drásticas do consumo energético
e aumentos exponenciais dos preços dos combustíveis fósseis; e
finalmente no plano económico – como é por demais evidente na
crise da economia capitalista com a magnitude e violência social que
conhecemos bem no nosso país.
Trata-se
de uma crise que não resulta de qualquer «erro de gestão», ou da
«ganância excessiva» deste ou daquele sector do grande capital. A
actual crise é uma das mais agudas crises cíclicas de sobreprodução
relativa da história do capitalismo. Uma crise que resulta das
contradições do sistema capitalista – nomeadamente da contradição
fundamental entre o carácter social da produção e a sua
apropriação privada –, que vem confirmar mais uma vez uma das
teses fundamentais do marxismo sobre o funcionamento da economia
capitalista – a lei da baixa tendencial da taxa de lucro, e que vem
acentuar a tendência do capitalismo para a estagnação,
demonstrando o seu carácter parasitário e decadente e colocando,
ainda com mais veemência, a necessidade da substituição do
capitalismo por outra formação socioeconómica – o socialismo.
Duas
décadas passadas sobre as derrotas do socialismo e os discursos do
capitalismo triunfalista, o capitalismo, livre do «contrapeso» dos
países socialistas e de tudo o que representaram para o Mundo, não
só não consegue lidar com as suas contradições, como conduz a
humanidade a um retrocesso civilizacional, assente na regressão ao
século XIX das condições de vida, de trabalho e de exploração da
imensa maioria da população mundial.
Se
as crises de sobreprodução relativa do capitalismo são cíclicas,
já o não é o aumento da exploração. É que, contrariamente às
teorias da social-democracia e mesmo de algumas forças ditas de
«esquerda», as bases para a guerra social que está a ser
desencadeada contra os trabalhadores e os povos não surgiram apenas
em 2007. Não! Foram construídas ao longo dos anos, provando que o
capitalismo sustenta os seus períodos de crescimento no aumento da
exploração dos trabalhadores e dos povos, para depois, em períodos
de crise resultantes da sua própria natureza, elevar ainda mais o
grau de exploração numa espiral de devastação social e
concentração de riqueza.
Mas
dito o mais importante, importa realçar ainda que esta crise se
distingue de outras crises cíclicas. Desde logo porque ocorre num
período de profunda internacionalização e financeirização da
economia capitalista, com um alto grau de mobilidade do capital e
concentração e centralização de riqueza, o que faz com que, tendo
tido a sua primeira expressão na economia norte-americana por
esvaziamento da bolha especulativa imobiliária (tal como o PCP
previu há muitos anos), esta crise se tenha estendido rapidamente a
todo o globo, afectando hoje não só os principais centros do
capitalismo (UE, EUA e Japão) mas de forma geral todas as economias
(nomeadamente as emergentes) e se tenha expressado também como uma
crise de sobre-acumulação decorrente da sobreprodução e da
gigantesca hipertrofia da esfera financeira da economia capitalista.
Mas
esta não é a única razão que leva a que esta crise se diferencie,
na sua expressão (e não na sua natureza) de outras. É que ela
ocorre num quadro de importantes mutações nas relações
internacionais. Por um lado, são hoje particularmente visíveis as
expressões do desenvolvimento desigual do capitalismo: o declínio
económico relativo das principais potências capitalistas mundiais
(com destaque para os EUA); a afirmação e desenvolvimento de países
capitalistas com ambições de potência regional e que,
crescentemente, se confrontam com os interesses do centro
imperialista e o aprofundamento das contradições entre diferentes
potências imperialistas. Por outro, a emergência de novas potências
económicas como a China, as articulações de nações (entre as
quais vários países capitalistas) fora do quadro do domínio
hegemónico dos EUA e de outras grandes potências imperialistas e o
fortalecimento de processos de afirmação soberana e progressista
como na América Latina.
Estes
desenvolvimentos configuram um complexo processo de rearrumação de
forças na arena internacional, que, no quadro de uma profunda crise
do sistema e do aprofundamento da contradição entre o centro
capitalista e a periferia do sistema, será determinante para
ulteriores desenvolvimentos da situação internacional.
A
crise na e da União Europeia
A
crise na UE é hoje uma das expressões deste complexo processo. É,
em particular, uma expressão muito concreta do aprofundamento das
contradições inter-imperialistas. A sua crise – que tem génese
na sua própria natureza de classe – foi fortemente acelerada em
virtude das contradições entre os EUA e outras potências
capitalistas como a Alemanha e a França, nomeadamente no plano
monetário. Mas este facto não significa que a UE seja um qualquer
contraponto ao imperialismo norte-americano. É exactamente o
contrário! A forma como a UE reage à crise do capitalismo veio
revelar ainda mais claramente a sua natureza de classe, dando razão
aqueles que, como o PCP, alertaram para o facto de que o objectivo
central do processo de integração capitalista era a criação de um
bloco imperialista, que, articulando-se com o imperialismo
norte-americano na estratégia de exploração, opressão,
concentração e centralização da riqueza e de agressão a outros
povos do Mundo, concorre com ele no campo económico, monetário e de
esferas de influência.
Esta
realidade coloca a ruptura com o processo de integração capitalista
europeu como um dos mais importantes elementos da luta dos povos da
Europa contra a ofensiva do grande capital e do imperialismo.
Uma
multifacetada e brutal ofensiva do imperialismo
O
aprofundamento da crise estrutural do capitalismo está a ser
acompanhado por uma profunda e multifacetada ofensiva do
imperialismo. A incapacidade das classes dominantes de darem resposta
à crise do capitalismo dentro dos limites do «normal»
funcionamento do sistema coloca grandes e renovados perigos para os
trabalhadores e os povos e mesmo para a Humanidade. A solução
«clássica» de destruição de forças produtivas e de
empobrecimento generalizado da população está a ser levada aos
seus limites, provocando, como é bem patente no nosso país,
autênticas situações de guerra social com consequências
devastadoras. Mas o desenvolvimento das forças produtivas é tal, a
teia de contradições do sistema é tão densa, e é tão grande a
dimensão das sucessivas «bolhas» resultantes da financeirização
da economia e da especulação financeira que as medidas que visam
uma saída desta crise, por via do aumento brutal da exploração e
de um ajuste de contas com as conquistas da luta dos trabalhadores e
dos povos ao longo do século XX, apenas estão a ter como resultado
o ainda maior aprofundamento da crise.
As
classes dominantes, nomeadamente nas principais potências
imperialistas, sabem-no e recorrem a todos os meios ao seu alcance
para contrariar esta tendência. Os processos de esmagamento da
soberania dos povos, de reconfiguração dos Estados para melhor
servir o capital, de concentração do poder económico e político
nos grandes monopólios e nas instituições supranacionais do
capitalismo, de ataque cada vez mais cerrado à democracia e aos
direitos democráticos, cívicos e de participação, de adopção de
políticas que abrem campo ao fascismo, são alguns dos elementos
desta poderosa ofensiva.
Tudo
isto, a par de um dos traços mais preocupantes da actual situação:
uma ofensiva recolonizadora do imperialismo, quer no plano económico,
quer político e geoestratégico – assente numa renovada e intensa
ofensiva militarista do imperialismo, como o demonstra bem a profusão
de focos de conflito desde o Magrebe até ao Extremo Oriente e que
tem nos dias de hoje uma expressão explosiva no Médio Oriente, com
a guerra já em curso contra a Síria e as crescentes ameaças contra
o Irão. Agressões que, a aprofundarem-se, e a concretizarem-se,
poderão ter como consequência uma generalização de conflitos no
plano internacional de consequências imprevisíveis, fazendo assim
realçar a importância central da luta pela paz e da solidariedade
com os povos em luta contra o imperialismo.
A
luta é a resposta e o caminho. O socialismo, a direcção e
objectivo
A
resultante dos processos acima descritos – crise do capitalismo,
ofensiva do imperialismo e rearrumação de forças na arena
internacional – é, num contexto de grande volatilidade, ainda
indefinida. Ela dependerá de vários factores. Desde logo, do
desenvolvimento da luta dos trabalhadores e dos povos – que se
intensifica em quase todo o globo – e da correlação de forças
que dela decorra. Mas também do papel na arena internacional de
diversos países. Seja dos países que estabelecem como orientação
e objectivo a construção do socialismo – importantes realidades
que, independentemente de dúvidas, interrogações e inquietações
(algumas de fundo) que possam suscitar aos comunistas portugueses as
suas realidades, continuam a ser objectivamente um factor de
contenção do imperialismo; seja dos países capitalistas, onde a
luta de massas adquire hoje uma importância e dimensão muito grande
e onde o papel do movimento sindical de classe e dos partidos
comunistas será fundamental para levar mais longe a luta, torná-la
mais consequente e alterar a correlação de forças no «centro» do
sistema; seja dos países que desenvolvem alternativas progressistas
e de afirmação soberana – como na América Latina – e que se
afirmam hoje como um dos principais fulcros da resistência
anti-imperialista com Cuba e Venezuela na linha da frente.
A
incerteza é, como já dissemos, um dos traços da actualidade.
Grandes perigos coexistem com reais potencialidades de transformação
progressista e revolucionária. O capitalismo está mergulhado numa
profundíssima crise. As suas contradições estão esventradas e
isso realça a necessidade e a urgência do socialismo e a
actualidade do ideal comunista. Mas não há soluções nem
imediatas, nem mágicas. Será o desenvolvimento da luta dos povos e
a capacidade dos comunistas de nela reforçarem a sua influência
política, ideológica e de massas que determinarão em última
análise o ritmo do processo de emancipação social e da superação
revolucionária do capitalismo.
O
atraso relativo do factor subjectivo da luta coloca a necessidade de,
em movimento, articular a luta contra a ofensiva do grande capital e
por objectivos concretos e imediatos à luta por profundas
transformações de natureza anti-monopolista e anti-imperialista e
por uma sociedade socialista. É este o grande desafio que temos
perante nós: resistir, avançar, travar a batalha das ideias e
articular a luta por uma alternativa patriótica e de esquerda com o
nosso projecto programático de Democracia Avançada, e afirmar o
socialismo não apenas como direcção mas como objectivo necessário,
possível e cada vez mais urgente, como o único modo de produção
que poderá libertar as forças produtivas, colocá-las ao serviço
do interesse da imensa maioria da população mundial e dar solução
aos grandes problemas da Humanidade. Socialismo que será alcançado
pela luta, pela acção dos partidos comunistas, e que, em cada país,
corresponderá ao caminho que cada povo definir de forma soberana no
desenvolvimento do processo histórico, pois como o afirma uma das
várias, válidas e extremamente actuais lições que retirámos da
análise das experiências históricas de construção do socialismo
no século XX, é que não existem, nem podem existir, modelos de
revolução ou de socialismo.
O
reforço dos partidos comunistas, o aprofundamento da sua
solidariedade e cooperação – e destes com outras forças
progressista no quadro da frente anti-imperialista – assumem um
carácter decisivo. Assim como o assume a rejeição de soluções
quer de carácter reformista, quer voluntarista, por via da correcta
definição das etapas e ritmos da luta revolucionária e das
alianças que cada fase da luta exige e possibilita. Etapas que não
concebemos como quaisquer segmentos de luta estáticos e rígidos,
mas como elementos de um processo, que se interligam e
interrelacionam entre si, que podem ser mais ou menos prolongadas. Um
processo que sendo revolucionário, é naturalmente feito de avanços
e recuos, vitórias e derrotas, e em que a acumulação de forças é
o factor determinante para alcançarmos a «terra sem amos».