terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Entrevistas | Jerónimo de Sousa - Resistir Já é Vencer (2008)


Camarada Jerónimo de Sousa: pedindo-te um breve balanço do ano que acaba de terminar, talvez começar pelo visível crescimento do descontentamento e da luta popular.

Se é verdade que se diversificou e aprofundou a ofensiva do Governo, no plano económico, social e político e contra a soberania nacional, o que foi marcante foi a expressão do descontentamento e o nível e a dimensão da luta dos trabalhadores, que atingiu o ponto mais alto na manifestação de 18 de Outubro, onde participaram mais de 200 mil pessoas num dia normal de trabalho.


Que importância e significado atribuis à Greve Geral de 30 de Março?

A valorização qualitativa e quantitativa que fazemos da Greve Geral de 30 de Maio não pode ser dissociada do quadro em que foi preparada e realizada. Sendo uma necessidade para enfrentar a grave ofensiva em curso, a possibilidade estava condicionada por diversos factores. Era a primeira greve de confronto com um Governo PS. A precariedade, que atinge 1 milhão e 200 mil trabalhadores, as pressões e a intimidações nas empresas, em particular nos transportes, condicionaram o exercício do direito à greve. Nestas condições, a participação e envolvimento de 1 milhão e 400 mil trabalhadores na Greve Geral (alguns com grande coragem) constituiu um marco histórico da luta dos trabalhadores portugueses e do movimento sindical unitário. Nalguns casos, como no Metro e na Transtejo, os grevistas tiveram de lutar pelo direito à greve face à atitude repressiva das administrações.


O facto de, apesar do sucesso da Greve Geral o Governo persistir na sua violenta ofensiva retira-lhe importância, como pretendem sectores inclinados ao compromisso e à abdicação?

Mais do que sectores, só as organizações que quase sempre conciliaram e capitularam em momento decisivos é que desvalorizaram a greve. Para além dos mesmos do costume, teve significado a posição do BE a criticar a decisão da Greve Geral, confundindo «greve geral» com «greve total». Como, aliás, fez o Governo PS, na sua avaliação mistificatória e desvalorizadora dos números de adesão à greve.

Quais as mais importantes lições e experiências do desenvolvimento da luta ao longo de 2007?

Há um aspecto que gostaria de relevar! É tão errado fazer a luta pela luta como ficar pela constatação de que não há condições para lutar. Uma outra questão é a de saber se só se decide a luta desde que se tenha a garantia, à partida, de adquirir resultados. A luta de resistência, o trazer o descontentamento e o protesto para o terreno da luta organizada liberta energias, eleva a consciência social e potencia a disponibilidade para outras lutas. Não são dissociáveis a luta de 2 e 28 de Março e a Greve Geral de 30 de Maio. Nem o impacto mobilizador da Greve Geral na manifestação de 18 de Outubro. A luta dos trabalhadores deu confiança a outros sectores e camadas sociais. Quem esteve na manifestação de 18 de Outubro não fez cálculos aos ganhos. Voltará a lutar no futuro. Porque resistir e lutar é já vencer!

Como vês a acção a partir da empresa e local de trabalho e o papel das células de empresa do Partido?

A empresa, o local de trabalho, é o lugar onde se dá o principal conflito e confronto de classe. O patronato e o Governo têm noção disso. Aí se forma a consciência do grau da exploração e da injustiça, ou do que significa, no concreto, a aplicação de uma lei laboral injusta. Aí se libertam energias, se alicerça a unidade e se irradia a luta organizada, partindo do concreto para o geral. Os comunistas eleitos pelos seus companheiros de trabalho nas empresas e para os sindicatos têm uma particular responsabilidade na acção unitária, na linha da frente da acção reivindicativa e da luta. Mas tal acção não dispensa antes exige a organização e a intervenção política das células de empresa. Dois graus de intervenção e organização que fazem evoluir a consciência dos trabalhadores sobre o seu papel na produção e na sociedade e a necessidade de terem o seu Partido.

Estamos em vésperas do Congresso da CGTP, que importância lhe atribuis? Que resposta dão os comunistas às visíveis pressões para influenciar os seus resultados?

Julgo que o XI Congresso da CGTP vai constituir uma grande afirmação da Central Sindical visando o seu fortalecimento. É um Congresso que vem de grandes lutas, em si mesmo portadoras do prestígio e da influência que a CGTP-IN mantém e alarga e que resulta do empenhamento e acção desse grande e combativo colectivo unitário. Era inevitável (sempre aconteceu em todos os Congressos da Central Sindical) que as pressões, as inventonas e a intriga, promovidas de uma forma articulada, procurassem ensombrar e dificultar o êxito do Congresso. Os seus autores são os mesmos que profetizam o fim da luta de classes, o fim ou a desnecessidade do sindicalismo de classe, a mando do principal interessado e ganhador no aumento da exploração dos trabalhadores e da liquidação dos seus direitos: o poder económico. Se há coisa que mais receio provoca ao grande capital e seus seguidores é a luta organizada, é a organização autónoma dos trabalhadores e dos seus sindicatos, é a sua unidade! Temos uma grande confiança que o Congresso saberá rechaçar essa ofensiva ideológica e dele sairá mais forte, reafirmando-se como a Central Sindical dos trabalhadores portugueses.

Um dado importantíssimo no ano que finda foi a irrupção das lutas das populações e a criação de comissões de utentes de norte a sul do país. Que importância atribuir-lhe na acção militante das organizações do Partido?

A ofensiva do Governo não foi apenas contra os trabalhadores e os seus direitos. Foi contra as populações, contra diversas camadas sociais, privatizando, eliminando ou reduzindo serviços públicos e as funções sociais do Estado, nomeadamente nas áreas da saúde, educação, nos transportes, da justiça, da segurança, da água e do saneamento. Atingidas nos seus direitos, as populações reagiram, organizaram-se e realizaram pequenas e grandes acções de luta, com o papel destacado das Comissões de Utentes. Obrigaram muitas vezes o Governo a recuar ou a adiar medidas. Resistir, resistir e protestar é fundamental. O movimento devia alargar-se, porque novas arremetidas estão em curso. Os militantes do Partido devem estimular a sua criação, respeitar e animar a sua acção e composição unitária.

A ofensiva do Governo do PS ao serviço do grande capital atinge não apenas o trabalho assalariado mas todas as outras classes e camadas não monopolistas; que incidências na luta?

Se mais uma vez se confirma que são os trabalhadores e as suas organizações a força motora da luta, é verdade que classes e camadas não monopolistas estão nela a participar.
Os reformados, a juventude estudantil, os pequenos e médios agricultores, as populações vão ganhando consciência da importância do protesto e da luta. Que partindo dos seus interesses e direitos concretos só por si não conseguem alterar o rumo da política nacional. A manifestação de 18 de Outubro foi reflexo dessa consciência. O desenvolvimento da luta, a sua convergência ou confluência são alicerces de alianças sociais mais sólidas e mais alargadas que podem determinar um novo rumo para a política nacional.

Depois de acções nacionais com uma dimensão de massas tão ampla, como prosseguir no imediato a luta?

Intensificar e diversificar a luta nas empresas, sectores e regiões. As lutas grandes não surgem com um toque de varinha mágica. Neste fazer e refazer permanente, a pequena luta, a acção de protesto enchem o caudal da luta mais forte acertando a necessidade com a possibilidade. Considero que o próprio Congresso da CGTP-IN é um momento importante para dar mais balanço, força e confiança à intensificação da luta no futuro.



Situação social e política


Podes fazer uma caracterização concentrada da política do Governo PS?

Este Governo não faz só «mais do mesmo» quando comparado com Governo anteriores e com as suas políticas de recuperação capitalista. A diversidade e a profundidade das suas opções e medidas convergem para a caracterização de uma ofensiva global no plano económico, social, político e cultural e contra a própria soberania nacional.Nas privatizações, na política fiscal, nas opções orçamentais, no privilegiar da «economia de casino» e na sua financeirização, na aplicação rígida e seguidista da malha apertada do Pacto de Estabilidade e Crescimento, na acentuação das injustiças e desigualdades sociais, no nível do desemprego e das precariedades, na demolição dos serviços públicos e funções sociais do Estado com vista à sua privatização, na claudicação da defesa da soberania como se verifica no Tratado «reformador» da União Europeia, este Governo PS/Sócrates está a fazer o que a direita política faria. Temos como tese que atacada a democracia nas suas vertentes social, económica e cultural, depressa se passa para o ataque à democracia política. As acções repressivas e intimidatórias contra a liberdade sindical, de manifestação e de propaganda começam a banalizar-se. Não são dissociáveis as tentativas de alterar as leis eleitorais para fragilizar o regime democrático.

A gravidade da situação e o desenvolvimento da luta parecem estar a suscitar preocupações na área do próprio PS, a verdade porém é que se limitam às consequências de uma política que não só não põem em causa, como procuram justificar...

Pois! Vozes críticas mas «com mão por cima e mão por baixo» do Governo. São «válvulas de escape» e «gritos de alma» que visam confortar muitos eleitores do PS descontentes com a política do Governo. O essencial das declarações são mais de preocupação face ao crescendo da luta e às consequências que podem ter para o PS do que de condenação da política que está a ser realizada.

E certas vozes que vêem da Igreja?

Acho que a hierarquia da Igreja (salvo esta ou aquela opinião publicada) está aquém do sentimento e do descontentamento de muitos católicos atingidos nos seus direitos por esta política do Governo. O próprio papel da JOC e da LOC tem vindo a esmorecer em torno das grandes causas sociais.

E quanto ao Bloco de Esquerda, que parece pretender afirmar-se (ver as suas posições em relação à União Europeia, à CM de Lisboa ou à questão sindical) como uma espécie de «ala esquerda» da social-democracia perante um PS rendido ao neoliberalismo e estruturalmente comprometido com o grande capital e com o imperialismo?

Sem julgamentos definitivos, a maior dificuldade para caracterizar o Bloco de Esquerda reside na sua ideologia opaca, à banalização de posições e opiniões diferentes e divergentes entre os seus dirigentes, muitas vezes por razões de conveniência. Por exemplo, em relação ao projecto de Tratado da União Europeia está sempre ausente na sua crítica a concepção federalista. E a declaração recente do seu deputado europeu, em que afirma a dívida de gratidão a Mário Soares por ter levado Portugal à adesão à CEE «mesmo com objectivo de acabar com as veleidades revolucionárias» (!?), é paradigmática. É condenável querer ser a ala esquerda da social democracia? Em si mesmo não! Agora querer ser sem querer parecer...

Em relação ao PSD e à direita em geral, como vês tanto as suas dificuldades como as suas ambições perante um Governo que vai ainda mais além do que a direita poderia na realização das políticas de direita?

O PSD não tem política alternativa nem sequer é alternância, porque o Governo PS em questões económicas e sociais estratégicas dá mais garantias ao poder económico que não teve pruridos em «mudar de cavalo». Aliás, verifica-se que a actual direcção do PSD vai propondo pactos e mais pactos e largando o lastro de causas e bandeiras que podiam estorvar o PS. É difícil fazer oposição à política que fariam se estivessem no poder. E mais difícil se torna face ao aperto imposto pela direita económica e pelos círculos presidenciais.

E que dizer da cooperação «estratégica» do PS com o PSD e o Presidente da República para impor políticas e (contra) «reformas» extremamente graves para o povo e o país?

Vai na mesma linha! O actual Presidente da República sabe diferenciar o que é táctico e estratégico, o que é essencial e o que é acessório. Dá um ou outro sinal de preocupação social, manda fiscalizar uma ou outra Lei não estruturante, mas incentiva e aplaude políticas e medidas de fundo que servem os interesses e privilégios do grande capital e afrontam os direitos sociais. Quer que o PS vá até ao fim, ou até poder, na execução das políticas de direita sob o chapéu da «esquerda moderna» que, subjectivamente, condiciona e neutraliza muitos votantes do PS, particularmente trabalhadores!


Há alternativa


O grande capital, servindo-se do PS e do PSD, pretende eternizar o sistema de «alternância» e impedir a ruptura com mais de trinta anos de políticas de direita. O silenciamento das lutas e da actividade do PCP é brutal, como ainda agora se viu em relação à Conferência Nacional do PCP sobre as questões económicas e sociais. Queres comentar?

É sabido que actualmente, com o agravamento da situação, são cada vez mais numerosos os portugueses que condenam esta política. Mas subsiste uma questão primeira que está na cabeça das pessoas: a política alternativa. O PS e a direita e os poderosos meios de comunicação social a «toque de caixa» do grande capital, exercitam ideologicamente as teses das inevitabilidades e do conformismo conducente à ideia de que não há saída.
O PCP demonstra que há. Por exemplo, a Conferência Nacional não se limitou a uma profunda e rigorosa análise da situação. Fundamentou a necessidade da ruptura democrática com esta política e apresentou propostas para um novo rumo para Portugal, desmontando a tese das inevitabilidades. O poder económico não «brinca em serviço». Se não pode impedir manda silenciar. Aliás, em todo o processo de preparação e debate foi visível o silenciamento ou a imagem e mensagem distorcidas dos conteúdos e objectivos da Conferência, particularmente das nossas propostas.

Os ataques a direitos e liberdades fundamentais estão a adquirir uma dimensão inquietante. Surgiu o Movimento «Fronteiras». Como vê o Partido esta questão?
Sempre afirmámos o carácter inseparável das diversas vertentes do regime democrático. Se existe uma violenta ofensiva contra a democracia social e a democracia económica a que os trabalhadores e as populações reagem com luta, o poder económico e o poder político recorrem à repressão, à intimidação e à limitação da liberdade e dos direitos individuais e colectivos. Repare-se que é nas empresas, nos locais de trabalho - e quando se exercem direitos como a greve e a manifestação de protesto - que recai e se acentua o principal ataque a direitos e liberdades fundamentais. A arrogância e o autoritarismo do executivo de Sócrates constituem prova de fraqueza, mas começa a ser realmente inquietante. Veja-se o exemplo do debate na Assembleia da República promovido pelo PCP sobre direitos e liberdades fundamentais, que levou a Plenário dezenas de facto irrefutáveis. O Governo não só não desmentiu como enveredou pelo anticomunismo mais trauliteiro e requentado. É neste quadro inquietante que se reclama um rebate das consciências democráticas. O Movimento «Fronteiras» surge assim como uma necessidade que convoca todos aqueles que, independentemente desta ou daquela divergência, não aceitam que a liberdade e a democracia sejam empobrecidas ou mutiladas.

E quanto ao branqueamento do fascismo e ao apagamento do papel do PCP na Resistência e no pós- 25 de Abril ?

Essa operação ideológica de «resgate» do fascismo, e consequente tentativa de apagamento ou mistificação do papel do PCP na luta de resistência ao regime fascista e à sua acção e luta de construção do regime democrático depois de Abril, mais do que o esforço saudosista vai na linha do anticomunismo que se manifesta em particular nalguns países da Europa e corresponde à tentativa de arredar a força política que dá combate sem tréguas aos poderosos, que sempre defendeu e defende os direitos sociais e democráticos, que não se cansou nem cansa de lutar pela emancipação do ser humano. Procurando reescrever a história as classes dominantes e os seus seguidores querem negar a validade e a actualidade do papel e do projecto do PCP.

Voltando à Conferência Nacional, pedimos-te que faças uma breve síntese daquilo que nela é essencial e o que ela representa na luta do PCP por uma alternativa no interesse dos trabalhadores e do povo.

A riqueza da sua preparação, nível da participação, conteúdos e conclusões da Conferência Nacional do PCP não são comportáveis numa resposta singela nem mesmo com esforço de síntese. Mas há uma ideia força! Portugal não está condenado a ser um país onde prevaleça a injustiça e o atraso. A resolução dos problemas nacionais exige uma mudança real nos objectivos e conteúdos da política nacional, uma política de efectiva confiança em Portugal e no povo português, assente na dinamização da economia, num sustentado crescimento económico e na valorização do trabalho e dos salários. Uma política que assuma a ruptura com as orientações e opções dominantes, prosseguidas por este e por outros governos anteriores, uma ruptura que, no respeito pela Constituição e no cumprimento dos princípios fundamentais nela consagrados, assegure uma política liberta dos interesses e orientações do capital monopolista e financeiro, a recuperação pelo Estado das suas responsabilidades económicas e sociais, a soberania e a independência nacionais como valores fundamentais para a defesa dos interesses do país.

Na luta por uma alternativa política que ponha em prática a política alternativa que defendemos, em que questões devemos concentrar a nossa acção, quais as traves mestras da sua construção?

Já com metade do mandato ultrapassado, o Governo PS fez uma opção classista, substituindo a direita nas políticas mais gravosas para os trabalhadores, para o povo e para o país. É à luz desta análise que as condições para uma alternativa de esquerda não estão criadas neste momento. Mas não nos limitamos à constatação. Lembrando as teses emanadas do XVII Congresso, a alternativa política constrói-se na base da luta por uma política alternativa, acumulando forças, alargando a frente social de massas, convocando sectores democráticos num processo dialéctico do «como, para quê e com quem». A Conferência Nacional apresentou a matriz de uma política alternativa, tendo como perspectiva e referência o projecto do PCP, a sua proposta programática de uma democracia avançada e de uma sociedade socialista. Continua a haver a necessidade de uma alternativa política de esquerda. Mas, para tal, são condições determinantes para a sua concretização, o alargamento da influência social, política e eleitoral do PCP, acompanhadas pelo desenvolvimento e articulação da luta de massas e de movimentos sociais que, partindo de aspirações e objectivos concretos, exijam uma nova política, uma política de esquerda. Procurando a convergência, a unidade, a cooperação das forças democráticas, tal concepção é inseparável do firme combate e denúncia à política de direita do PS. Mas a arquitectura e condições para a construção de uma alternativa política de esquerda têm de integrar dois aspectos cruciais:
-A ampliação de uma vasta frente social de oposição e luta contra a política de direita.
- O reforço do PCP junto dos trabalhadores e das massas populares, a afirmação do seu projecto, dos seus valores, vencendo preconceitos; o reforço da sua  intervenção e organização, estabelecendo laços mais fortes com a classe operária e os trabalhadores, com os agricultores, os intelectuais e quadros técnicos, com todos os que sofrem hoje as consequências da política de direita, com todos os que têm como desígnio a justiça social, o progresso e a democracia.


Situação internacional


Como caracterizas, de modo concentrado, a situação internacional actual?

A evolução da situação internacional confirma uma tese central decorrente do nosso XVII Congresso: não diminuíram os perigos, antes aumentaram devido à natureza insaciável e predadora do grande capital contra os trabalhadores, os povos e o planeta. A exploração, a liquidação de conquistas e direitos sociais assumem uma grande envergadura com o desenvolvimento do militarismo e da guerra, usurpando a soberania a muitos povos. Incapaz de resolver as crises cíclicas, apesar da sua grande capacidade de adaptação, o capitalismo está a chegar aos seus limites e pode enveredar por aventuras de consequências terríveis para a humanidade. Mas é com a consciência destes perigos que os trabalhadores e os povos resistem, lutam e conquistam soberania e avanços progressistas. Com sacrifícios tremendos, num combate desigual contra o imperialismo e o neoliberalismo, alcançam vitórias impensáveis.

No que respeita a Europa a situação é também contraditória. Por um lado, verifica-se uma retomada de lutas de trabalhadores que encerra um importante significado. Por outro, o processo de integração capitalista reforça-se institucionalmente com a assinatura do chamado «tratado reformador». Como avalia o PCP este novo tratado? E a questão da sua ratificação?

Assistimos a um dos maiores embustes políticos, neste processo que culminou com a assinatura do Tratado dito «reformador». A sua matriz é o decalque da derrotada «Constituição Europeia». A sua natureza neoliberal, federalista e militarista não se alterou. E não se julgue que só o povo português e Portugal perderam. Os outros povos europeus também perderam, na medida em que o directório das decisões políticas está às ordens do grande capital e dos seus interesses, não dos povos respectivos. Perdemos mais porque pesamos menos. A cortina de fumo e o foguetório no processo até à assinatura excluiu os povos do conhecimento dos seus conteúdos. Reafirmando a frontal oposição ao Tratado, o PCP pronuncia-se pela exigência de um referendo que dê a oportunidade ao povo português de se pronunciar antes da sua ratificação e após um largo e aprofundado debate nacional. O PCP fará mais que a sua parte.

O que mostrou o Encontro de Partidos Comunistas e Operários de Minsk, em que o 90.º aniversário da Revolução de Outubro foi o tema central? Há futuro para o movimento comunista?

Uma primeira nota: estiveram no Encontro de Minsk 72 partidos de 59 países de todos os continentes, o que em si mesmo desmente profetas e profecias sobre e morte ou o declínio irreversível do movimento comunista. Encontro realizado no quadro das comemorações dos 90 anos da Revolução de Outubro. Ali se demonstrou que há forças que continuam a manter viva a chama de Outubro que não claudicaram na luta pelo socialismo. Tal como o PCP, são muitos os partidos que consideram ser possível uma nova sociedade mais justas e liberta do jugo da exploração do homem por outro homem.

Como vês a evolução da situação no Médio Oriente?

É uma situação grave e perigosa que tem a marca das ambições do imperialismo norte-americano, mas pela qual são igualmente responsáveis as grandes potências da União Europeia, o que se torna mais nítido com o alinhamento da França, com Sarkozy, com os EUA. A posição do nosso Partido, em relação ao Iraque, ao Afeganistão, ao Líbano é bem conhecida, pelo que quero apenas referir-me a duas outras situações que entretanto lhe estão estreitamente associadas. O Irão, para alertar para a necessidade imperiosa de pôr termo à escalada de sanções e preparativos de agressão que, a concretizarem-se, teriam seguramente as mais dramáticas consequências. E a Palestina, não apenas para confirmar ao heróico povo palestiniano a activa solidariedade do PCP para com a sua luta nacional libertadora, mas para sublinhar uma vez mais que a questão palestiniana é a questão central do Médio Oriente e que só com a aplicação das resoluções da ONU, a retirada de Israel dos territórios ocupados em 1967 e o reconhecimento do Estado Palestiniano independente, será possível alcançar uma paz justa e duradoura no Médio Oriente. Não foi este o sentido da reunião de Annapolis orquestrada por Bush; o seu objectivo foi o de reforçar o papel criminoso de Israel e procurar levar a Autoridade Palestiniana a vergar-se diante dos opressores do próprio povo palestiniano.

E na Venezuela?

O nosso ponto de vista é de que está em marcha um processo profundamente democrático de características revolucionárias que é necessário compreender, apoiar e defender das ingerências e ameaças do imperialismo norte-americano. É uma processo de corajosa afirmação de soberania com traços profundamente originais, apontando o objectivo de uma sociedade socialista e, por isso mesmo, contando com uma extraordinária base de massas, mas também com inimigos poderosos, no plano interno e externo, que conseguiram, embora por uma margem mínima de votos, vencer o referendo de 2 de Dezembro. É nossa convicção de que um tal resultado pode atrasar mas não consegue parar o processo bolivariano, protagonizado pelo Presidente Chavez, e que tem o apoio dos comunistas venezuelanos, aos quais nos unem fortes laços de amizade e de solidariedade internacionalista.


O Partido


Em termos gerais, como avalias a situação do Partido?

O que é marcante na fase actual da vida do Partido é a sua diversificada e combativa intervenção política em torno dos problemas e aspirações dos trabalhadores e do povo, nas acções pela paz, contra o imperialismo e a guerra, no desenvolvimento das relações e na solidariedade internacional, na valiosa e intensa actividade e iniciativa institucional e no reforço da organização partidária. Referindo o ano de 2007, sublinhe-se um conjunto de iniciativas como os Encontros Nacionais sobre Cultura, o Movimento Associativo, a Protecção Civil, os Micro Pequenos e Médios Empresários, a Agricultura e o Mundo Rural, as inúmeras iniciativas regionais, sectoriais e temáticas que culminaram com a realização da Conferência Nacional sobre Questões Económicas e Sociais. No plano internacional é de salientar a vasta actividade e intervenção, nomeadamente a iniciativa sobre as questões europeias, e o Seminário sobre África. O partido deu valiosas contribuições para o desenvolvimento das relações bilaterais e no incremento de iniciativas multilaterais e para o fortalecimento do movimento comunista e revolucionário e para a cooperação com partidos comunistas e forças progressistas, fazendo um empenhado esforço na frente anti-imperialista.

Concretamente, quanto à campanha de Reforço da Organização?

No plano do reforço da organização e intervenção partidária, a avaliação feita no final do ano confirma avanços significativos na responsabilização de centenas de quadros, incluindo muitos jovens, mais de mil militantes em cursos de formação diversos, o recrutamento ou transferência de mais de mil membros do Partido para as organizações de empresa e local de trabalho, a realização de mais de 100 assembleias de organização e um grande ritmo de novas adesões ao partido. Sem subestimar dificuldades e debilidades existentes, por exemplo em relação à concretização dos objectivos do reforço financeiro e aumento da quotização, há avanços consolidados, tendo em conta também que foram alcançados numa situação em que o Partido teve um papel central na luta política e social. Esta dinâmica e estes avanços não nos descansam. O Comité Central decidiu dar passos mais adiante numa nova etapa do movimento geral para o reforço da organização partidária, no decurso do ano de 2008, ano de Congresso e consequentemente integrado como elemento fundamental dos seus trabalhos preparatórios.

XVIII Congresso. Que queres adiantar sobre a sua realização e a sua implicação na actividade geral do Partido?

O XVIII Congresso, marcado para os dias 20 e 30 de Novembro e 1 de Dezembro de 2008, vai realizar-se num quadro de grande intensidade da vida política e partidária. O Comité Central irá precisar e aprovar os objectivos. Mas não é excessivo ou apressado afirmar que foram justas e de grande validade as decisões do XVII Congresso que o nosso Partido se confirmou como força com passado, presente e futuro, e que há motivos para ter confiança.
Congresso exigente! Vamos ter de contar com o arremesso de campanhas visando minar a imagem, a influência e a coesão do Partido. Não é suportável para todos aqueles «analistas» que sentenciaram o fim do PCP, ou o seu definhamento e declínio irreversível, constatarem um Partido mais forte, reforçado e interveniente, portador da esperança e da alternativa, que se ancora na sua natureza e identidade, nos seus princípios, ideologia e projecto para irradiar a vitalidade e a afirmação de um verdadeiro Partido Comunista. O XVIII Congresso não pode ser entendido como mais uma tarefa ou mesmo só uma prioridade. As organizações do Partido, definidas que estão as linhas de orientação, vão ter de considerar e concretizar a programação e calendário, a sua iniciativa, como contribuição e trabalho integrados e confluentes com a preparação do próprio Congresso.

Camarada Jerónimo de Sousa, obrigado pela tua entrevista que vai certamente contribuir para valorizar mais O Militante na vida do nosso Partido. Para terminar, uma palavra sobre a importância da imprensa do Partido.

Nas linhas de orientação para a nova fase do reforço da organização do Partido, o Comité Central sublinhou a importância do alargamento da difusão da imprensa partidária. É sabido que o poder económico detém hoje os principais meios de comunicação social, direccionando-os para servir os seus interesses e a sua ideologia. Redobra por isso a importância do nosso Avante! e de O Militante no combate político e das ideias, municiando os militantes com informações, análises e argumentação e fundamentação teórica inexistentes em qualquer outro órgão de comunicação social. O alargamento da sua leitura, divulgação e venda constituem uma tarefa política e revolucionária, integrando o movimento geral de reforço da organização e intervenção do Partido. Uma última palavra: de esperança e de confiança! Nesta quadra festiva e no limiar de um novo ano, uma saudação solidária e fraterna aos militantes do Partido, com o apelo à sua generosa e combativa militância e disponibilidade para prosseguir o nosso combate em defesa dos trabalhadores, do povo e da democracia , no reforço e afirmação do Partido - por um ano melhor!


Revista "O Militante", Nº 292 - Jan/Fev 2008

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