Questão
central para aqueles que têm como objectivo a construção de uma
sociedade nova, a questão do Estado, tema científicamente
desenvolvido por Lénine em o “Estado e a Revolução”, permanece
perene de actualidade e necessidade de aprofundamento e estudo.
Álvaro Cunhal a partir da posição marxista-leninista sobre o
Estado, desenvolve o seu conteúdo, partindo da realidade concreta
portuguesa. Aqui ficam alguns fragmentos da obra do camarada Álvaro
Cunhal, “A Questão do Estado, Questão Central de Cada Revolução”,
Novembro de 1967:
...”Lénine desfazia o logro espalhado nas
massas populares segundo o qual a participação de ministros
«socialistas» no governo seria suficiente para assegurar uma
política «socialista». «Uma mudança de ministros significa
muito pouco» — sublinhava Lénine — «pois todo o trabalho
administrativo real está nas mãos de um exército gigantesco de
funcionários (...) impregnado até à medula de um espírito
antidemocrático, está ligado por milhares e milhões de fios aos
latifundiários e à burguesia, dependendo deles de todas as
formas».(20)
E concluía:
«Tentar levar a cabo, por meio
deste aparelho de Estado, transformações tais como a abolição da
propriedade latifundiária da terra sem indemnização ou o monopólio
dos cereais, etc., é a maior das ilusões, o maior engano de si
próprio e o engano do povo»(21)
Nos nossos dias e no nosso país,
enganam-se também a si próprios e, queiram ou não queiram, enganam
o povo aqueles que afirmam que a formação dum governo constituído
por democratas, socialistas, mesmo comunistas, asseguraria, por si
só, a realização duma política democrática, sem que para isso se
tornasse necessária a destruição do aparelho do Estado organizado
pelos fascistas.
Alguns, reconhecendo a dificuldade, julgam
descobrir a solução ao imaginarem uma redistribuição dos cargos,
com demissões dos fascistas mais notórios dos lugares mais
responsáveis e a nomeação em sua substituição de «homens de
confiança». Nem se trata de um descoberta nem de uma solução.
Tapando o buraco com uma tábua furada, à primeira ilusão
acrescentam uma segunda.
Tal
“solução” é a velha solução das “revoluções” burguesas
e pequeno-burguesas, em que os partidos, que se substituíam no
poder, multiplicavam nomeações e redistribuições de cargos. Em
Portugal, foi o processo habitual do partidos que se sucediam no
governo, tanto no tempo da monarquia constitucional, como no da
república parlamentar. Diversos políticos se gabaram de ter cansado
os braços no primeiro dia de governo a assinar demissões e
nomeações, E entretanto nos mais dos casos de pouco lhes valia o
expediente. Tal “solução” pode ser viável (embora nem sempre o
seja), quando se não trata de verdadeiras revoluções, quando se
não trata de alterar a “arquitectura social da Nação”, mas
apenas de mudar equipas burguesas, por virtude do jogo de interesses
e rivalidades de grupos e camadas da burguesia. Mas, quando se trata
de revoluções que alteram a natureza de classe da política
governamental, então a redistribuição dos cargos é insuficiente
para que o aparelho do Estado assegure a realização pelo governo
das reformas ou medidas revolucionárias que se impõem”...
Passados
37 anos sobre a vitória da contra – revolução, a Revolução de
Abril tem ainda marcas profundas na sociedade portuguesa. Mas as
revisões constitucionais (ilegais) alteraram qualitativamente a
natureza do Estado. Mantendo e reforçando a sua super-estrutura como
instrumentos de domiação de classe, os Governos, desde o primeiro
Governo constitucional do “PS sózinho” com Mário Soares como
Primeiro – Ministro, -um autêntico e contra-revolucionário
“Conselho de Administração da Burguesia”-. deu início a um
processo de permanente golpada anti-constitucional e de uma política
inconstitucional, acelerando a entrega aos perdedores por via das
conquistas de Abril, aquilo que haviam perdido. Vivemos nos dias que
correm, as consequências da política reaccionária que PS, PSD e
CDS, ao longo de 37 anos nos Governos, realizaram no sentido de
reforçar e perpetuar o poder da burguesia. O texto constitucional de
2 de Abril de 1976, Constituição “filha” da Revolução de
Abril sofreu profundas mutilações.
Qualificamos
o regime actual como um regime de democracia burguesa. O que é isto
então? É uma forma de dominação da burguesia, enquanto que os
direitos e as leis proclamados para todos têm um carácter puramente
formal. Nas actuais condições, da existência da propriedade
privada, da política de restauração capitalista e latifundista, de
restauro do poder dos monopólios, faltam os meios socio-económicos
para que nessa democracia formal se possam assegurar a sua efectiva
aplicação. Nesta democracia burguesa pode-se ainda falar, criticar
a um ministro, criticar o Governo, criticar um empresário, ter
alguma representação parlamentar e noutras instituições do
sistema , mas não se muda nada; às massas estão apenas permitido
limitarem-se às palavras já que o poder económico e político da
burguesia, com todo seu aparato, Leis, Tribunais, Forças de
Segurança, Forças Armadas, além de todo o seu aparelho ideológico
(comunicação social, ciência, tecnologia, compêndios e manuais
escolares, etc.) está aparelhado para reprimir contra quem se
levantar, com acção concreta, contra as classes dominantes.
A
reclamação de direitos próprios dos trabalhadores e do povo têm
sido fustigados pela repressão, chantagem e mais roubos. O Estado
através dos seus executantes, o Governo, assegura a proporção
directa de que os roubos aos direitos de quem trabalha, vão
direitinhos para o bolso da burguesia. Vão por via directa com os
milhões e milhões de euros do erário público para a banca
privada, e vão de forma indirecta por via da privação de direitos
laborais, na saúde, no ensino, na justiça.
Este estado a que
chegamos, o Estado e o seu regime pode-se qualificar de democracia?
Pode ser democrático um regime onde a maioria tem de submeter-se a
uma minoria poderosa e usurpadora?
É uma
democracia somente nos seus aspectos formais, na sua fachada, e que
não realiza os interesses e direitos da maioria dos trabalhadores e
do povo. Ou seja, este regime de “poder do povo” tal o
significado da palavra, não o é. Não traz por isso nenhuma
“vantagem às massas do povo”. Esta "democracia" não
assegura aos trabalhadores e ao povo nenhuma liberdade efectiva, não
assegura a independência do país, quer do ponto de vista económico,
financeiro, e militar, transformando-o num país cada vez mais
dependente dos interesses externos, da União Europeia, Banco Central
Europeu, FMI, NATO. O capital nacional e internacional, impõem às
amplas massas a sua vontade, os seus desejos e a sua visão. Um
domínio quase total da sua vontade.
As leis que são
aprovadas pelos parlamentos nos regimes de democracia burguesa,
expressam a vontade das classes dominantes, e defendem os seus
interesses de classe. Leis que igualmente beneficiam os partidos do
sistema ao serviço do capital, que constituem as maiorias no
parlamento. A história dos últimos 37 anos, de maiorias absolutas
do PS, PSD e CDS na Assembleia da República é exemplo concreto
disso mesmo. Apesar de uma firme e combativa intervenção comunista
na Assembleia da Republica, a política de direita, o roubo, o
esbulho, a insegurança, as limitações no acesso à justiça, saúde
e educação, são características deste regime de democracia
burguesa. “Este caos e esta confusão, esta liberdade dos
fora-da-lei e malfeitores para perpetrar crimes são qualificados
pelos detentores do poder económico e político, como "democracia
verdadeira"!
O pluripartidarismo e o plurarismo,
apresentados como virtudes dos regimes de democracia burguesa, são
denominações para procurar dizer que a participação no poder de
muitos partidos do sistema,não alteraram em nada as características
de classe dessa democracia empobrecida. Esse regime não altera, não
transforma numa perspectiva progressista, essa sociedade, pois não
pode ser democrática uma sociedade baseada na exploração e
opressão de classe.
Socorrendo-nos novamente de Lenine, sobre
a democracia de facto como “Governo do Povo” a democracia da
maioria, democracia dos trabalhadores, adianta:
..."só a
ditadura do Proletariado poderá emancipar a humanidade da escravidão
que lhe impõe o capital, das mentiras, falsidades e hipocrisia da
democracia burguesa que só existe para os ricos, e dar a democracia
para os pobres, ou seja, conseguir que os operários e camponeses
pobres tenham verdadeiro acesso aos benefícios que a democracia
outorga"...
A democracia da maioria, a democracia
socialista, na construção do Socialismo sob a a ditadura do
proletariado, assegura a construção colectiva de um projecto
igualmente colectivo e com novas e genuínas relações humanas, num
sério e difícil desafio, da construção do “homem novo”, num
mundo em que não está sózinho.. No Socialismo, o sujeito principal
do desenvolvimento histórico, nas relações inerentes à democracia
socialista, o ser humano ocupaocupar o lugar que lhe cabe, na base de
sua capacidade e do trabalho que realiza, usufruindo do produto
social produzido. A cada um segundo as suas capacidades, segundo o
seu trabalho. Num regime de democracia burguesa, em nome dos
interesses das classes dominantes e exploradoras, não pode aceitar
estas relações novas. A liberdade do indivíduo é imcompatível
com o o poder manipulado pelos interesses da burguesia.
O
estado a que chegou o Estado neste regime de democracia burguesa, é
o Estado da dominação do capital monopolista de Estado, sempre a
pretender dizer e a fazer passar a idéia de que as leis são feitas
no Parlamento, alijando daí responsabilidades, e ao mesmo tempo
fazer passar despercebido de que Partidos e deputados é tudo
“farinha do mesmo saco”, legítimamente sufragados pelo povo. Mas
como afirmava Lenine, ..." em qualquer país parlamentarista, o
verdadeiro trabalho 'estatal' faz-se nos bastidores e é executado
pelos ministérios, repartições e Estados-Maiores"... Enfim,
consuma-se pela prática a ditadura da burguesia, mesmo que ela não
assuma as características da “ditadura terrorista dos monopólios
e dos latifundiários, associados ao imperialismo”, como é
definido em o “Rumo à Vitória” da autoria do camarada Álvaro
Cunhal.
Em conclusão, a ditadura do proletariado é
infinitamente e incomensuravelmente mais democrática, do que a mais
“democrática” democracia que a burguesia cioncede. Qdemocracia
que concede, desde que essa “concessão” não ponha em causa os
seus interesses de classe. Ou seja, se estiver em perigo, pois lá se
vão os parlamentos, as eleições, e as liberdadezinhas, nem que
seja a tiros de canhão.
Abril de 2013
Luís Piçarra
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